Em 2021, Ceará registrará o segundo ano menos violento dos últimos dez anos

Os assassinatos no Ceará assumiram uma escalada vertiginosa no início da década de 2010. Conforme dados do Atlas da Violência, os homicídios saltaram de 2.792 para 3.842 na virada de 2011 para 2012, ou seja, um aumento de mais de mil homicídios em um período de um ano. Até aquele momento, o crescimento anual nunca havia sido tão expressivo: 38%. Desde então, os números da violência dispararam, vindo a cair de forma brusca nos anos de 2016 e 2019. O mês de dezembro ainda não acabou, mas com 3.200 crimes violentos letais intencionais (CVLI) registrados até o dia 21, o ano de 2021 deve se tornar o segundo menos violento dos últimos dez anos no estado do Ceará, ficando atrás somente de 2019, quando foram contabilizados 2.257 assassinatos. Trata-se de um retorno a patamares do início da década após uma curva de violência extrema que assistimos entre 2013 e 2018.

Ceará registra dois casos de violência contra a mulher por hora

Na noite dessa última segunda-feira, dia 13, mais um caso de um artista que teria protagonizado um ato de violência contra a mulher tornou-se público. De janeiro a novembro deste ano, o Ceará registrou 17.194 ocorrências de crimes da Lei Maria da Penha. Focar o debate somente na capacidade do Estado em amparar as vítimas e punir os culpados, contudo, é promover uma discussão pela metade. É preciso mudar radicalmente esta cultura que abriga e protege os agressores, seja pela naturalização da violência de gênero seja pela série de mecanismos sociais de desresponsabilização de quem a comete.

A sociedade da anomia

A arbitrariedade e a crueldade são dois elementos constituintes dos tempos atuais, entrelaçando-se com os fios da anomia em diversos episódios: na operação de vingança da PM que resulta em diversos assassinatos, como se coubesse ao policial a função simultânea de prender, julgar e executar a pena; na falta de iniciativa em proteger o meio ambiente, em punir de forma exemplar uma atividade cujos efeitos deletérios persistirão por gerações; bem como no poder da organização criminosa que regula o cotidiano de populações inteiras enquanto assistimos a tudo de forma complacente (e obedecemos, claro, quem se arrisca a andar com o vidro do carro elevado em determinadas vielas?).

Sete policiais penais cometeram suicídio desde 2019 no Ceará

Neste domingo, mais uma vida de um policial penal foi perdida. A vítima foi Gilclebe Rodrigues Da Silva, de 40 anos, que integrava a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) desde 2015. O policial estava lotado na Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, no município de Aquiraz, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). A informação chegou no começo da noite, por meio de aplicativos móveis:  “Outro colega se matou. Loucura”, comentou um agente. Da Silva, como era conhecido entre os colegas, é o sétimo policial penal a tirar a própria vida desde 2019.

Os custos humanos da pacificação dos presídios no Ceará

Policiais penais denunciam que as mudanças na gestão penitenciária geraram acúmulo de atividades e condições insalubres de trabalho, que têm resultado em adoecimentos. A categoria se sente sobrecarregada com o acúmulo de funções. “Conseguimos organizar o sistema penal. Os presos se mantêm dentro de uma disciplina rígida, mas os servidores também entraram nessa mesma disciplina. Por causa disso, estamos no limite. Nossa atividade parece que não tem fim”, desabafa um dos servidores. No último sábado, dia 6, um policial matou um colega e se matou em seguida. Neste sábado, um profissional de apenas 24 anos cometeu suicídio com um tiro na cabeça.

A barbárie dos homens de bem

Diante do desejo de se vingar das duas mulheres acusadas de roubo, de fazer com que elas sofram, não há espaço para a ação policial, muito menos para os trâmites legais. Cabe ao Estado investigar o ocorrido. Casos assim podem ser replicados se não houver uma resposta à altura. Agir com leniência servirá apenas de estímulo para que mais justiçamentos aconteçam. A barbárie está aí sob nossas vistas. Sendo cometidas por pessoas de bem, cidadãos acima de qualquer suspeita. Quantas pessoas que aparecem no vídeo comungaram, foram à missa ou ao culto no fim de semana de alma lavada, como se nada demais tivesse acontecido além do que é justo?

Em Fortaleza, áreas com maior número de assassinatos possuem menor casos de letalidade policial

Na terceira reportagem da série “Números da letalidade policial em Fortaleza”, apresentamos uma comparação sobre os mapas da letalidade policial e dos crimes violentos letais intencionais (CVLI) na capital cearense. É possível observar, a partir dos dados levantados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), que a relação entre assassinatos e mortes por intervenção policial é inversa, ou seja, nas áreas integradas de segurança (AIS) com maior número de homicídios, a quantidade de vítimas da violência institucional é menor.

Lentidão e falta de amparo às vítimas são características em comum nos casos de letalidade policial

Movimentos da sociedade civil se organizam em busca de Justiça nos casos envolvendo mortes por intervenção policial. O caminho, no entanto, é árduo. Falta de assistência e lentidão nos processos judiciais são um fardo para quem perdeu um ente familiar pelas mãos do Estado, como nos casos da Chacina do Curió e da morte do adolescente Juan Ferreira, de 14 anos. A segunda reportagem da série “Números da letalidade policial em Fortaleza” retrata a luta e o esforço dos familiares em seguir suas vidas após terem os filhos mortos em decorrência de intervenção policial.

Plano Nacional prioriza profissionais de segurança; feminicídios e letalidade policial ficam de fora

Ao mesmo tempo em que dá ênfase à proteção dos policiais, o novo Plano Nacional de Segurança exclui qualquer menção à letalidade policial, que deixa de ser um indicador. Em seu lugar, entram o quantitativo de profissionais de segurança pública mortos em decorrência de sua atividade, a taxa de vitimização de profissionais de segurança pública e a taxa de suicídios de profissionais de segurança pública. Saberemos de forma precisa quantos policiais morrem no Brasil. Em compensação, o número de pessoas mortas pela polícia será uma incógnita. É quase um excludente de ilicitude estatístico. Reprimir o crime organizado, combater a expansão das milícias, rever a política de drogas, aperfeiçoar o controle e o rastreamento de armas de fogo, munições e explosivos, articular ações no âmbito da gestão municipal da segurança… Nenhum desses temas aparece como um grupo prioritário no documento.

De 81 mortos por intervenção policial em Fortaleza, apenas um era negro. É o que dizem os números oficiais

De janeiro de 2020 a junho de 2021, 81 pessoas foram mortas em decorrência da intervenção policial, em Fortaleza. Desse total, todos eram do sexo masculino e 87% dos mortos tinham entre 15 e 29 anos, ou seja, eram jovens, conforme a definição do Estatuto da Juventude. As informações sobre letalidade policial disponibilizadas, contudo, apresentam subnotificação em relação à raça das vítimas: 71,6% das mortes por intervenção policial não possuem identificação racial. Do total de 81 pessoas mortas pela polícia, somente 22 tiveram a indicação da cor da pele: 20 foram classificadas como pardas (25,9%), uma como preta (1,2%) e outra como branca (1,2%). Segundo os números oficiais, a mesma quantidade de homens brancos e negros foram mortos pela polícia em Fortaleza no período.