A partir de um levantamento de dados solicitados à Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), por meio da Lei de Acesso à informação (LAI), foi possível identificar o perfil das vítimas letais da intervenção policial em Fortaleza. 87% dos mortos têm entre 15 e 29 anos. A cor de quem morre pela polícia ainda é subnotificada. Esta é a primeira reportagem da série “Números da letalidade policial em Fortaleza” que conta com o apoio do Instituto Sou da Paz
Por Dayanne Borges
De janeiro de 2020 a junho de 2021, 81 pessoas foram mortas em decorrência da intervenção policial, em Fortaleza. Desse total, todos eram do sexo masculino e 87% dos mortos tinham entre 15 e 29 anos, ou seja, eram jovens, conforme a definição do Estatuto da Juventude.
As informações sobre letalidade policial disponibilizadas, contudo, apresentam subnotificação em relação à raça das vítimas: 71,6% das mortes por intervenção policial não possuem identificação racial. Do total de 81 pessoas mortas pela polícia, somente 22 tiveram a indicação da cor da pele: 20 foram classificadas como pardas (25,9%), uma como preta (1,2%) e outra como branca (1,2%). Segundo os números oficiais, a mesma quantidade de homens brancos e negros foram mortos pela polícia em Fortaleza no período.
O único registro oficial de um homem negro morto por intervenção policial em Fortaleza ocorreu em maio deste ano, na Área Integrada de Segurança 10, que compreende bairros da região mais rica da capital cearense, como Dionísio Torres, Engenheiro Luciano Cavalcante, Joaquim Távora e Lourdes.
Os números de vítimas letais em decorrência da intervenção policial fazem parte do levantamento realizado pelo Blog Escrivaninha, em parceria com o Instituto Sou da Paz, a partir dos registros da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Estado do Ceará (SSPDS) obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI).
De acordo com a SSPDS, ao contrário da estatística dos crimes violentos letais intencionais (CVLIs), as mortes decorrentes por intervenção policial possuem uma contabilidade distinta, haja vista “não serem consideradas como intencionais, pois possuem excludente de ilicitude”.

Números oficiais invisibilizam os negros como vítimas
A ausência de informações mais precisas sobre a cor das pessoas que morrem durante a ação da polícia no Ceará já havia sido denunciada em novembro do ano passado pela Rede de Observatórios da Segurança Pública: 77% das vítimas não possuíam identificação racial. “Apesar de o número de mortes pelas polícias ser altíssimo, quando olhamos os dados desagregados por cor das vítimas, encontramos um nível inaceitável de informações não preenchidas ou ignoradas. A impressão que fica é que estamos diante de uma discussão proibida. Falar de raça e marcá-la nos registros geram incômodo”, afirma o documento.
Ainda de acordo com o relatório, haveria razões para se acreditar que a falta de identificação não seja uma questão meramente de problemas técnicos, mas
o “resultado de uma condição sócio-histórica de invisibilização da população
negra. Trata-se de um tabu de uma sociedade que defende o mito da democracia
racial e tenta apagar a negritude da sua história”.
Para Thiago de Holanda, coordenador do Comitê Cearense pela Prevenção de Homicídios na Adolescência, “os dados oficiais ainda precisam melhorar muito para possibilitar uma análise precisa sobre o aspecto racial dentro dos homicídios”. “Apesar da discrepância entre as unidades da federação, na quantidade e qualidade das informações contidas nos boletins de ocorrência quanto à raça/cor, os dados disponíveis permitem visualizar o tamanho da disparidade racial no fenômeno da violência letal intencional”, argumenta.

Percentual de jovens mortos pela polícia aumentou
No período da pesquisa, o Ceará registrou 216 mortes por decorrência de intervenção policial: foram 145 ocorrências no ano passado e 71 de janeiro a junho de 2021. Conforme os dados informados pela SSPDS, 81 do total de casos ocorreram em Fortaleza. Em números absolutos, 24 adolescentes com idades entre 15 e 19 anos foram mortos pela polícia na capital cearense, enquanto 47 dos mortos estavam na faixa etária de 20 a 29 anos. Uma pessoa não teve a idade identificada.
O percentual de jovens mortos em decorrência de intervenção policial aumentou na comparação com o levantamento realizado anteriormente pelo G1, em 2019, quando o índice ficou em torno de 62%. A amostragem, contudo, abrangia dados de todo o Estado.
Para Thiago de Holanda, “um jovem na praça tem se tornado cada vez mais alvo da polícia se ele for negro, pobre e morador da periferia”. “Jovem na praça não é risco, jovem na praça não é sinal de violência. Jovem na praça pode ser oportunidade para o desenvolvimento de excelentes políticas públicas”, acrescenta.
Outro lado
O Blog Escrivaninha entrou em contato com Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social para compreender o motivo de tantos jovens serem vítimas da intervenção policial, a subnotificação da identificação racial e, também, para saber o que tem sido feito no intuito de diminuir a letalidade policial. Até o fechamento da edição, a SSPDS não respondeu.
Sobre a imagem. A violência policial, assim como as más condições do sistema socioeducativo, se tornou cada vez uma pauta de protesto entre os movimentos sociais.
Se chega a polícia, por que não chega a política pública?
Tiros! Tiros! Tiros!
Dispersão! Dispersão!
Do outro lado:
Quem é o responsável pela operação?
Podemos conversar?
Existe alguma denúncia?
Moço, podemos conversar?!
E assim aconteceu mais uma vez a tentativa de dialogar com com um órgão de segurança que deveria estar garantindo a segurança da juventude, mas que não consegue olhar a juventude como sujeito de direito. É preciso romper com essa lógica de se achar que onde tem jovens, negros e pobres reunidos é uma ameaça a sociedade.
De acordo com os dados do IBGE o país tem 14,8 milhões de desempregados, o que representa 14,7% da população economicamente ativa. Mas esse índice é ainda maior entre os mais jovens. Na faixa etária de 18 a 24 anos, o desemprego afeta 31% das pessoas.
O estado não garante trabalho para a juventude, corta recursos da educação e ainda reprime, criminaliza e violenta a auto organização de jovens que promovem socialização, lazer, cultura e arte nos seus territórios, que deveria tá sendo garantido pelo Estado.
Aqui faço um chamado para reflexão, quantos eventos culturais, esportivos e de lazer o Estado realiza naqueles mesmo territórios onde a polícia parece saber já o caminho decorado? Se chega a polícia, por que não chega a política pública?
Como já cantou o pessoal do Subconsciente em Pauta – _Bota os fones, baixa os vidros que é só menino envolvido com a arte!

Mariana Lacerda
Cientista social, mestranda em Sociologia (UFC). Assessora parlamentar da Deputada Federal Luizianne Lins (PT).
Esta reportagem foi publicada no âmbito do Programa de Jornalismo de Dados de Segurança Pública oferecido pelo Instituto Sou da Paz, do qual o Blog Escrivaninha e a repórter Dayanne Borges participaram.
Reportagem de segunda: “Casos de letalidade policial aguardam resposta da Justiça”
4 comentários em “De 81 mortos por intervenção policial em Fortaleza, apenas um era negro. É o que dizem os números oficiais”