Governos petistas foram acusados durante a campanha eleitoral de serem coniventes com o crime organizado. Uma análise das dinâmicas da violência letal nos estados, contudo, mostra que os assassinatos ocorrem de forma complexa, independentemente da presença de armas de fogo na população, desmontando o argumento falacioso de “quanto mais armas menos mortes”.
Por Ricardo Moura
Muito se falou durante a campanha que a violência cresceu nos governos petistas e só veio a diminuir no Governo Bolsonaro. Passadas as eleições, cabe refletir melhor sobre a veracidade dessa afirmação. Afinal, de tanto uma meia verdade ser proferida ela acaba se tornando um fato inconteste no debate público. A coluna desta semana traz elementos para ajudar na compreensão do que está em jogo quando falamos em segurança pública.
O primeiro elemento a ser levado em consideração nessa equação é o papel do Governo Federal na redução dos assassinatos. Mesmo com planos nacionais e incentivos financeiros, o protagonismo dessa atividade ainda recai sobre os Estados. São as policiais militares e civis que estão à frente da prevenção e da investigação da imensa maioria dos crimes e atos violentos que ocorrem no país. Ou seja, por mais bem intencionado que a União seja em relação ao tema, é preciso que os governadores cumpram sua parte nesse “pacto federativo” em defesa da sociedade.
Dito isso, a política de segurança pública do Governo Bolsonaro foi praticamente nula, com exceção aos acenos feitos às corporações. O caso mais trágico foi o aparelhamento da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que vimos recentemente servindo não apenas à nação, mas aos interesses pessoais e políticos do presidente.
A ação mais eficaz do Governo Federal na área da segurança consistiu em afrouxar o controle e a regulamentação das armas de fogo em território nacional. Na prática, presenciamos um processo de terceirização da responsabilidade sobre a defesa da própria vida e do patrimônio. Fazer com que a população pague pela sua própria segurança não é uma atitude republicana, mas algo mais característico de uma milícia.
Chegamos, então, a um ponto crucial do debate: o de que o aumento no número de armas de fogo em circulação teria reduzido o número de assassinatos. Em um país continental como o nosso, fazer uma correlação contemplando o número de homicídios por estado versus a presença de armas de fogo por estado ajuda a iluminar a questão. Se o argumento pró-armas estiver correto, a violência letal diminuiu onde há, proporcionalmente, mais armas registradas.
Vale ressaltar que o que se segue não se trata de um estudo científico, mas de um exercício analítico a partir dos dados existentes. Para tanto, me valho de três indicadores: a) os dados do Monitor da Violência do G1 sobre a evolução do número de homicídios por estado entre os primeiros semestres de 2021 e 2022; b) os números de registro de armas de fogo na Polícia Federal oriundos do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP); e c) o comparativo também elaborado pelo G1 entre proporção de armas por habitante em cada estado versus a proporção da população do estado em relação à população brasileira.
O Brasil, como um todo, observou uma queda de 5% no número de assassinatos na comparação entre os primeiros semestres de 2021 e 2022. Onze estados com baixa presença de armamento na população e nove estados com presença elevada de armas de fogo entre seus habitantes apresentaram decréscimo nos números da violência letal.
Apenas sete estados registraram aumento no número de homicídios nesse período. Quatro deles apresentam uma forte presença de armamentos em meio à população: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rondônia e Minas Gerais. Os estados de Alagoas, Pernambuco e Piauí também viram os assassinatos aumentarem, mas possuem menor presença de armas de fogo em suas populações.
A trajetória de crescimento da violência letal nesses três estados contrasta com os demais vizinhos do Nordeste, região que deu ampla margem de vantagem ao presidente Lula nas urnas: Bahia, Ceará, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe registraram queda nos homicídios.
Sob o ponto de vista da política, dos 13 estados em que Lula saiu-se vitorioso, quatro registraram alta nos homicídios; dos 14 que deram a vitória a Bolsonaro, três viram a criminalidade aumentar. Uma curiosidade: com 70% dos votos para Jair Bolsonaro, Rondônia contabilizou a maior alta nos assassinatos no período abrangido: 24%. Roraima, também na região Norte, apresentou a maior redução na violência letal: -34%. O estado, por sua vez, deu 76% dos votos ao candidato do PL.
Quando fazemos esse breve levantamento é possível constatar que o argumento do “mais armas menos mortes” não se sustenta do ponto de vista das estatísticas. O cenário é muito mais complexo e diverso do que a propaganda política quer fazer crer. Especialistas apontam aspectos em comum na melhora dos indicadores: repressão mais eficaz ao crime organizado, mudanças nas dinâmicas do tráfico, menos conflitos entre facções, e, até mesmo, fatores geracionais, como diminuição da população jovem. Some-se a isso as particularidades de cada unidade da federação e o resultado é um quebra-cabeça imenso e fascinante.
A violência letal, como tantas outras questões, é um desafio permanente para governos de esquerda e direita. Para enfrentá-la, não há bala mágica muito menos receita de bolo. A melhoria dos índices só vem com trabalho, esforço e planejamento. E união entre os entes federativos.