Campanha eleitoral gera guerra de palavras na segurança pública no Ceará

Troca de acusações sobre a área acirra ainda mais o clima político há pouco mais de seis meses da campanha para Governo do Estado. névoa de desinformação formada pela disputa de egos e pela luta por espaço na mídia entre políticos pouco dizem respeito aos anseios da população em seu cotidiano. Pelo contrário. No meio desse tiroteio verbal, questões relevantes se tornam secundárias e até mesmo esquecidas.

Por Ricardo Moura

Podemos afirmar que a campanha eleitoral para o Governo do Estado teve início na última quinta-feira, dia 10, quando o governador Camilo Santana (PT) afirmou que a maior contribuição prestada pelo deputado Capitão Wagner (Pros) à área da segurança pública teria sido a realização de “dois motins que prejudicaram a população do Ceará”. O parlamentar rebateu a declaração no mesmo dia propondo três iniciativas para o que seria um “Ceará sem Medo”: “dobrar o número de policiais nas ruas do Estado; investimento pesado em inteligência; e plano de ação social nas áreas mais vulneráveis”.

No dia seguinte foi a vez de Izolda Cela, vice-governadora do Estado e provável candidata à reeleição, entrar na briga ao cobrar maior presença do Governo Federal em políticas relacionadas à educação, infância, economia e segurança pública. A discussão se acirrou com a acusação feita pelo senador Cid Gomes (PDT) de que o deputado recebeu dinheiro da segurança pública “sem trabalhar”. Wagner, mais uma vez, rebateu afirmando que teria recebido o reconhecimento de policial padrão por serviços prestados durante a gestão do ex-governador.

Na disputa pela tomada do Palácio da Abolição, a guerra de palavras começou tendo como principal alvo a segurança pública, um tema que se tornou uma pedra no sapato dos governantes desde o início do século. Vale lembrar que Cid Gomes se elegeu sob a promessa do Ronda do Quarteirão, bem como o Comando de Policiamento de Rondas e Ações Intensivas e Ostensivas (CPRaio) teve papel de protagonista na passagem da gestão do pedetista para a de Camilo Santana.

A névoa de desinformação formada pela disputa de egos e pela luta por espaço na mídia entre políticos pouco dizem respeito aos anseios da população em seu cotidiano. Pelo contrário. No meio desse tiroteio verbal, questões relevantes se tornam secundárias e até mesmo esquecidas.

Pouco se falou do objetivo do evento em que o governador tece críticas ao seu adversário. Tratou-se do lançamento do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PreVio), que venho denominando como um Ceará Pacífico 2.0. Com investimento de R$ 350 milhões, a iniciativa busca diminuir as vulnerabilidades e atuar na prevenção de situações de violência contra grupos específicos como mulheres, pessoas LGBTQIA+, crianças, adolescentes, jovens e gestantes, além de egressos do sistema socioeducativos. Não deixa de ser uma medida mais que necessária, mas haverá tempo de ser implementada antes do fim da gestão? Por que tem ganhado tão pouca atenção até mesmo entre seus apoiadores? São perguntas que ajudam a avançar no debate sobre os rumos da política de segurança pública, em especial no cenário atual de crise econômica e aumento da carestia.

O motim da PM, um mote bastante explorado nas eleições para prefeito de Fortaleza, deve ser um tema repisado à exaustão em 2022. Quando observamos as estatísticas mensais desde 2013, é possível identificar que o mês de fevereiro de 2020 foi, de longe, o mais violento de nossa história recente, com 459 assassinatos. Para efeito de comparação, o segundo mês de fevereiro com maior violência letal, no período, foi registrado em 2014, com 386 homicídios. Dissociar o pico de letalidade no Estado à paralisação dos policiais militares é navegar em uma realidade paralela.

No entanto, atribuir ao motim a causa de toda a violência letal ocorrida em 2020 também é contar uma história pela metade. É preciso levar em consideração, no que diz respeito a esse resultado, a sobrecarga ocorrida a partir das novas atribuições às quais o policiamento teve de dar conta, tendo em vista as medidas de isolamento social. Associe-se a isso as baixas causadas pelos afastamentos dos policiais por causa da Covid-19.

Tivemos, também em 2020, o mês de abril mais violento de nossa história recente, com 439 assassinatos. Os meses seguintes, por sua vez, superaram todos os meses do ano anterior em registros de crimes violentos letais intencionais (CLVI). A pandemia trouxe a morte pelo vírus, mas nos trouxe também um incremento nos números de homicídios, fato esse observado em diversos estados brasileiros e, até mesmo, nos Estados Unidos, país em que a venda de armas de fogo bateu recordes nesse mesmo período.

Quando comparamos os números de homicídios do Brasil e do Ceará é possível notar que as curvas de crescimento e de queda são as mesmas, ano a ano, com exceção do ano de 2016, em que os assassinatos cresceram 4% nacionalmente, mas caíram 15% em nosso estado. Onde reside a diferença? Na extensão das curvas de altas e baixas. Enquanto as médias nacionais variam entre -19% e 6% nos intervalos de anos entre 2013 e 2021, no Ceará esse intervalo anual oscilou de -50% a 79%. As mudanças ocorrem sempre de forma brusca, indicando não se tratar apenas do efeito das políticas públicas, mas de fatores alheios aos governantes.

Essa complexidade da dinâmica da violência letal se apresenta como um verdadeiro quebra-cabeça para quem estuda e pesquisa sobre o assunto, dificultando a elaboração de respostas simples e genéricas. A sociedade cearense ganhará bastante se o mesmo cuidado for adotado no trato da questão pelos principais atores políticos do Estado, sejam eles da oposição ou da situação. As gestões passam, mas as dores da população teimam em persistir. E a tolerância para os mesmos discursos de sempre está cada vez menor.

Sobre a Imagem. Camilo Santana e Izolda Cela participam do lançamento do Programa Integrado de Prevenção e Redução da Violência (PreVio).

Crédito da foto: Assessoria de imprensa da Vice-governadoria.

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