Por Jean Pierre
Da guerra entre facções à guerra ao tráfico das facções com o aparato de guerra da Polícia Militar dos Estados e das Forças Armadas, a guerra faz parte da retórica e da prática da Segurança Pública e, no meio desta guerra, vive a população, principalmente a periférica das grandes cidades, cerceadas em seus direitos de liberdade, de moradia, de educação, de lazer e de culto, particularmente o das religiões de matrizes africanas contra as quais vivem em guerra algumas igrejas cristãs evangélicas e católicas, às vezes associadas ao tráfico de drogas, milícias e ao Estado e nação.
De onde vem essa cultura de guerra de traficantes e militares do Estado e da nação? Por que tanto uns como outros recorrem à guerra para resolver seus problemas? Por que este pensamento de que a guerra resolve problemas e o problema da guerra? De que a violência intrinsecamente relacionada à ela acaba com a violência da guerra? Por que cada vez mais no Brasil e no mundo a Segurança Pública, isto é, da população de cada cidade, Estado e nação é cada vez mais governada pela guerra com pessoas treinadas para guerra, militares, se não há ameaça externa a esta população, pois a declaração de guerra é, em geral, àqueles que se considera inimigos e estes são estrangeiros?
Por que as maiores nações mundiais são governadas hoje por militares que visam a segurança de sua população investindo na guerra, seja na retórica, seja na prática e, no Brasil, cada vez mais militares buscam não apenas participar dos governos como militares, isto é, na caserna à espera de uma guerra, ou, malgrado, nas ruas em policiamento, mas participar como políticos eleitos para governarem cidades, Estados e a República com a justificativa de que é a para a nossa segurança pública?
Por que militares no governo se não estamos em guerra e a especialidade e função militar é tão somente fazer guerra na teoria e na prática, além de só saberem falar em guerra, utilizando uma linguagem de guerra, ameaçando a população com a violência de guerra de seus aparatos?
São muitas as questões que se colocam antecipadamente aqui e que não se pretende responder agora e tão pouco depois, pois o objetivo não é buscar uma resposta para a guerra, isto é, uma justificativa para ela senão o contrário disso. Trata-se de questionar a relação entre guerra e segurança pública que faz parte do imaginário político brasileiro há muito tempo, seja o político governamental, seja o político cotidiano. Uma guerra imaginária que se torna real infelizmente a cada dia em postagens de violência nas redes sociais e com hora marcada em programas policiais dando sua dose contínua de estímulo à guerra transmitindo como num jogo de Free Fire a guerra cotidiana entre facções e de policiais militares contra elas atirando na cabecinha dos bandidos como desejam alguns políticos, ou simplesmente para matar como dizem outros, e, deste modo, fazem do seu desejo de guerra o desejo de todos por uma guerra.

Desejo estimulado ainda por militares políticos que estimulam que todos tenham direito a armas e se coloquem em guerra contra os bandidos, apesar de não serem os bandidos que mais matam em guerra de facções atualmente e, sim, a Polícia Militar e a sociedade civil armada militarmente.
Como se pode perceber, são muitas as questões envolvendo a relação entre guerra segurança pública e são em vários aspectos que ela faz parte do nosso cotidiano no qual queremos nos sentir seguros e somos impedidos pela guerra. Neste sentido, uma questão deve retornar frequentemente aqui: por que algo que traz tanta insegurança para a população como a guerra é cada vez mais desejada consciente e inconscientemente como o que traz segurança para ela, uma questão de Segurança Pública? Trata-se de um paradoxo desejar uma Segurança Pública com um aparato de militar de guerra e, principalmente, com a utilização deste aparato cada vez mais no cotidiano da população trazendo insegurança para ela e, ademais, se desejar um melhor aparato de guerra do que o dos traficantes em guerra para acabar com a guerra como desejam governos e policiais militares.
Ao pensarmos a relação entre guerra e segurança pública buscamos pensar de que modo evitar esta relação, como separar a segurança pública cada vez mais de uma ação de guerra tendo em vista os milhares de mortos a cada ação desta conforme as estatísticas de violência no Brasil equiparáveis e superiores as de mortes nas maiores guerras conhecidas. Trata-se de pensar na relação entre guerra e segurança pública para darmos um basta nessa relação e podermos pensar para além de uma retórica e prática de guerra não só nos governos, mas na sociedade. Não podemos, obviamente, acabar com a guerra a partir do nosso pensamento, mas podemos encontrar meios nele para pensarmos uma separação entre guerra e segurança pública, em consequência pensarmos no fim da militarização da nossa sociedade para que não se torne fascista, em guerra constante contra tudo e contra todos encaminhando todos à morte numa guerra em defesa da nação e de deus acima de tudo.
Enfim, se não faltam justificativas para a guerra na segurança pública, ainda mais com militares no governo, é preciso pensarmos em justificativas para acabarmos com ela.
Sobre a imagem: A escolha da foto, a partir de um banco de imagens do próprio blog, ilustra o vínculo entre forças armadas e os órgãos de segurança. A que país pertencem esses soldados? Não importa. A retórica e o imaginário bélicos são homogeneizados, pronto-para-uso, podendo ser incorporados às políticas de segurança e repressão de qualquer cidade, estado ou país.

Jean Pierre
Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, professor efetivo da Rede Estadual de Ensino do Ceará e pesquisador do Grupo de Pesquisa Conflitualidade e Violência – COVIO/UECE. Escreve quinzenalmente no Blog Escrivaninha.
Um comentário em “ARTIGO: Retórica e prática da guerra na Segurança Pública”