O dilema da bancada parlamentar da segurança pública no Ceará

Apenas um representante das forças de segurança no Ceará foi eleito como parlamentar nas eleições deste ano. Na esfera do Poder Executivo, Capitão Wagner (União Brasil), que se apresenta como porta-voz dos policiais, foi derrotado para o Governo do Estado ainda no primeiro turno. O que isso quer dizer?

Por Ricardo Moura

O sargento do Corpo de Bombeiros Militar, Reginauro Sousa Nascimento, foi o único dos candidatos da “bancada da segurança pública” no Ceará que conseguiu se eleger no pleito deste ano. Filiado ao União Brasil, o militar reformado obteve 41.635 votos, ficando em terceiro lugar entre os candidatos de seu partido. A votação lhe permitiu assumir uma vaga na Assembleia Legislativa do Ceará como deputado estadual. O sargento está em seu segundo mandato como vereador na Câmara Municipal de Fortaleza.

Em sua rede social, Sargento Reginauro lamentou a derrota de Capitão Wagner (União Brasil) para o Governo do Estado e apresentou suas bandeiras no Legislativo nos próximos quatro anos: “Espero todos vocês nas ruas, lutando pela vida, contra o aborto, contra a legalização das drogas, contra a defesa de bandidos e por um país que continue prosperando”.

Nomes que se apresentavam como porta-vozes dos interesses dos agentes da segurança como Tony Brito (União Brasil), Soldado Noélio (União Brasil), Julierme Sena (União Brasil) e Coronel Aginaldo (PL) não conseguiram votos suficientes para se elegerem. O deputado estadual Delegado Cavalcante (PL), que chegou a dizer que se não ganhasse nas urnas iria ganhar na bala, perdeu a disputa para a vaga de deputado federal, obtendo apenas 24.379 votos. O parlamentar é alvo de três pedidos de investigação por crime eleitoral.

Na disputa pelo poder executivo, a situação também é parecida. Eleito parlamentar a partir de sua identificação com os interesses dos agentes de segurança, Capitão Wagner não conseguiu nem ao menos levar a disputa pelo Governo do Estado ao segundo turno.

Análise

Os dois candidatos mais votados para a Assembleia Legislativa e o Congresso Nacional no Ceará, Carmelo Neto (PL) e André Fernandes (PL), respectivamente, são jovens expoentes do bolsonarismo no Ceará e políticos muito hábeis em lidar com a dinâmica das redes sociais. Com a mudança no quociente eleitoral, a concentração de votos em um único candidato deixa de auxiliar os demais integrantes do partido de forma automática, como ocorria em certames passados. É possível afirmar que os candidatos policiais enfrentaram uma forte concorrência na disputa de uma mesma parcela do eleitorado que se identifica com o atual presidente da República.

A atuação dos parlamentares da “bancada da segurança pública”, até o momento, em relação às questões relacionadas à violência e à criminalidade é bastante discreta. O que mais se viu foi uma forte defesa dos interesses da corporação no parlamento em detrimento do debate e da proposição de políticas públicas que pudessem impactar diretamente na ampliação do sentimento de segurança da população cearense.

Há um caráter irônico e contraditório na política de segurança proposta por Jair Bolsonaro: embora se valha de um discurso de maior rigor na execução das leis e de amparo aos policiais, as medidas adotadas até o momento vão no sentido contrário. A ampliação do acesso às armas do fogo, além de aumentar o potencial de danos em um contexto de violência interpessoal, tem servido como mais uma fonte de abastecimento do arsenal das organizações criminosas. Por seu turno, a demora em se obter a vacina, no auge da pandemia do Coronavírus, pôs em risco justamente os profissionais que estavam mais expostos ao vírus, ou seja, os profissionais da segurança.

Do ponto de vista da estratégia política, cabe aos policiais repensarem suas escolhas e métodos de organização caso queiram obter um papel de maior protagonismo. A título de sugestão, talvez seja interessante adotar uma perspectiva que compreenda o policial mais como um trabalhador que como o portador de uma missão, seja ela qual for. Além disso, as pautas precisam dialogar com questões mais amplas, que vão além de um programa corporativista.

Para quem lida diretamente com o público, como os agentes de segurança, é impossível ficar alheio aos problemas concretos da população. E não é liberando mais armas de fogo que eles serão resolvidos. Na arena da disputa ideológica, vale ressaltar, há parlamentares que encarnam melhor os anseios de um eleitorado mais alinhado aos valores bolsonaristas. Após um desempenho eleitoral aquém do esperado, por que não fazer uma autocrítica?

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