Por Ricardo Moura
Vinte e seis pastorais sociais e movimentos da Arquidiocese de Fortaleza se manifestaram ontem, por meio de uma nota de solidariedade, sobre as agressões sofridas pelos sacerdotes da Paróquia da Paz. De acordo com o documento, as ofensas mostram “com clarividência a rejeição ao modelo de Igreja em saída para as periferias (cf. Evangelii Gaudium, 49), ao modelo de Igreja participativa e da profecia que papa Francisco tanto deseja e que ele mesmo tem encontrado por parte do conjunto de muitos que se dizem ‘católicos’ e mesmo de hierarquia e laicato, profundas dificuldades e rejeições, num verdadeiro ‘cisma branco’ no interior dessa Igreja”.
Ainda segundo a nota, a Igreja vive um “um momento desafiador, de ‘grande estiagem’, em que determinados setores eclesiais estariam saudosos de uma “igreja alinhada com os poderosos, omissa diante das injustiças sociais contra os pequenos”. “Não podemos deixar que a Igreja fique aprisionada aos gritos e à vontade de quem quer ‘envelhecê-la, mantê-la no passado, torná-la imóvel’ (Christus Vivit, 35)”, ressalta o documento.
O texto se encerra com mais uma reafirmação de apoio aos sacerdores Lino Allegri e Oliveira Rodrigues, pároco da Paróquia da Paz, além de cobrar a responsabilização sobre a autoria dos ataques virtuais: “somos a favor da irrestrita apuração de quem nas redes sociais insiste em disseminar mentiras contra padre Lino e quaisquer outras pessoas defensoras dos direitos humanos, democracia e da justiça social”.
Embora o caso tenha obtido repercussão nacional e internacional, o arcebispo de Fortaleza, dom José Aparecido Tosi, ainda não se manifestou pessoalmente e publicamente sobre o ocorrido. O silêncio episcopal é motivo de incômodo e de estranhamento entre agentes de pastoral ouvidos pelo blog. Há um temor de que o não posicionamento do arcebispo seja interpretado pelos setores mais conservadores como uma espécie de consentimento a esse tipo de prática. Por causa disso, a publicação da nota de solidariedade oriunda das próprias pastorais e movimento torna-se uma ação de profunda importância no atual cenário pelo qual atravessa a Igreja Católica no Ceará.
Perspectivas e tensões
Ítalo Morais, membro da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), e Diana Maia, do Conselho Pastoral dos Pescadores, fizeram um balanço sobre o cenário atual da Igreja Católica no Ceará, em especial as comunidades mais identificadas com a proposta de uma “Igreja em Saída” do papa Francisco: “É nesse contexto de uma espiritualidade intimista, fora da realidade, onde não se luta por justiça social e cidadania que o clima fica cada vez mais tensionado em nossas comunidades de base. Sabemos de relatos onde se procura rotular o padre que faz uma fala mais contundente na linha da dimensão social da fé como um padre de esquerda, de comunista ou que confunde o altar com palanque. Nossas comunidades hoje em sua grande maioria parecem que esqueceram a profecia e vivem apenas do culto e da doutrina, acabam sendo terreno fértil para esse tipo de fiel que gosta de ir à Igreja apenas para ouvir ‘as coisas de Deus’”.
“Pensamos que o momento exige de nós prudência e atitude de prontidão. Nosso trabalho é permanente no sentido de ajudar as nossas lideranças eclesiais do conjunto das 18 pastorais sociais, dos organismos e as nossas CEBs na articulação. Nosso esforço tem sido trabalhar numa perspectiva da pastoral de conjunto e fazer um trabalho de incidência junto aos mais vulneráveis de nossa sociedade. Temos muito claro que precisamos aproveitar o momento do Papa Francisco entre nós, promover estudos e seminários sobre questões sociais e problemas da cidade, animarmos a 6a. Semana Social Brasileira que traz as grandes preocupações do Papa Francisco: Terra, Teto e Trabalho. Particularmente sobre o episódio que envolve o padre Lino Allegri e Padre Oliveira, estamos solidários como já demonstrado por manifestações de nossas pastorais como Povo da Rua, Pescadores, PJMP… Estamos também encaminhando uma conversa com a Articulação Arquidiocesana para pensarmos outras ações, pois não podemos silenciar diante dos que se colocam contra o projeto de Jesus e ameaçam nossos irmãos e irmãs comprometidos e comprometidas com a defesa da vida e a justiça social”.
“Infelizmente é verdade que em muitas igrejas paroquiais há um sentimento de acirramento dos ânimos, clima de polarização no contexto político que estamos vivendo. Sabemos que nossos agentes de pastoral que procuram ligar fé e vida, que fazem uma leitura crítica da realidade a partir do Evangelho são confundidos e rotulados de fazer política. Muitos fiéis e gente da hierarquia das Igrejas tratam de elaborar um discurso onde fazem um profundo divórcio da espiritualidade e da vida cotidiana. Mas seguimos atentos e atentas a nossa missão de ser presença profética de defesa da vida e nossa casa comum”.
Acesse a nota de solidariedade na íntegra:
Que sejamos “Igreja em Saída”, para assim irmos ao encontro d@s Excluid@s da sociedade.
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