Por Lucas Oliveira
Em março de 2020 a pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil trazendo consigo consequências e uma série de questões a serem debatidas, dentre elas, de início, que medidas deveriam ser tomadas e por quanto tempo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) em parceria com a comunidade científica internacional estabeleceu uma série de medidas sanitárias que os governos poderiam seguir de modo a conter o avanço da pandemia e consequentemente evitar um maior número de mortos. No entanto, embora alguns países tenham se prontificado a seguir as orientações, outros mostraram e ainda mostram resistência às normas e assumem uma postura negacionista e anti-científica.
Tal postura é diuturnamente ostentada pelo presidente Jair Bolsonaro que, desde o início da pandemia, tem minimizado as consequências do vírus que já tirou a vida de mais de 260 mil brasileiros. Não bastasse atenuar os efeitos maléficos que a Covid-19 tem causado em muitas famílias brasileiras, o presidente ainda estimula aglomerações, recusa-se a usar máscara de proteção e mais de uma vez pôs em dúvida a eficácia das vacinas desenvolvidas, sobretudo a Coronavac, produzida pela indústria chinesa Sinovac em parceria com o Instituto de pesquisa Butantã. Para completar a postura irresponsável do governo federal, representado na figura de Bolsonaro, além de questionar a eficácia de vacinas cientificamente comprovadas, ainda recomendou o uso de remédios sem comprovação científica, mesmo de atestado posteriormente não haver eficácia no tratamento da Covid.
Percebendo que a postura negacionista do governo federal poderia causar ainda mais danos a saúde da população, coube aos governos estaduais, governadores e prefeitos, assumirem as responsabilidades no modo de enfrentamento da pandemia. Todavia, é preciso ressaltar que essa postura não é algo restrito à figura do presidente, afinal seus apoiadores “fiéis” compartilham de suas crenças, e mesmo aqueles que não o apoiam se mostraram desfavoráveis as medidas restritivas, principalmente ao chamado Lockdown, ou seja, o fechamento total de atividades não essenciais por um período determinado de tempo. Ainda assim, as ações de prevenção foram colocadas em prática, embora não tenham sido corretamente seguidas as orientações o número de infectados foi diminuindo gradativamente.
Cabe ressaltar que nesse ínterim muitas foram as reivindicações por parte de comerciantes e outros empresários que foram as ruas pedir a revogação do decreto para que pudessem voltar as atividades. Já outros, estimulados por falas do presidente da república, foram às ruas sem proteção facial da máscara, desrespeitando o distanciamento social e indo de encontro às medidas sanitárias por não se conformarem com o fechamento de atividades não essenciais. Some-se a isso tudo o volume de notícias falsas disseminadas nas redes sociais ligadas à figura do presidente.
Passada a primeira onda, as atividades foram voltando ao “novo normal”, isto é, seguindo recomendações sanitárias. Porém, epidemiologistas do mundo todo alertavam para a segunda onda de infecção que poderia ser pior que a primeira, principalmente devido aos feriados de fim de ano em que as pessoas têm o costume de confraternizar. Ainda assim, mais uma vez o presidente acompanhado de seus seguidores minimizava os alertas e estimulava o não uso da máscara e do distanciamento social, além de se mostrar contra a vacinação. E, conforme alertavam os especialistas, a segunda onda veio e com um agravante, uma variante do vírus que se originou na Amazônia que têm a capacidade de driblar o sistema imunológico e infectar quem já havia contraído o vírus, além de, segundo estudos preliminares, possuir um poder infeccioso maior que a cepa original.
É nesse cenário que as divergências se acirraram ainda mais, pois medidas restritivas foram não só ventiladas por parte dos governos estaduais como também colocadas em prática no intento de conter o avanço do vírus, além de tentar evitar o colapso dos sistemas de saúde como ocorreu no Amazonas no mês de fevereiro. As críticas ao governo federal cresceram devido à falta de oxigênio para os amazonenses, bem como à falta de planejamento para a aquisição de vacinas e de um plano nacional de imunização. Mais uma vez, coube aos governos estaduais se responsabilizarem por suas populações e negociar as vacinas diretamente com os laboratórios, haja vista que o Ministério da Saúde não consegue estipular metas e nem muito menos cumpri-las. Não obstante, mais uma vez o governo federal entra em desacordo com os estaduais tornando cada vez mais claro o descompasso ao vetar a tentativa de estados e municípios em adquirir imunizantes. O Supremo Tribunal Federal (STF), contudo, autorizou a governadores e prefeitos adquirirem as vacinas dada a inoperância do Ministério da Saúde.
A postura do presidente Bolsonaro é claramente uma tentativa de se aproximar da população colocando prefeitos e governadores como vilões a serem combatidos em prol do bem estar social e da manutenção da economia. Essa postura tem levado alguns analistas políticos a definirem o presidente como um líder populista, se assemelhando a figuras do passado como Getúlio Vargas. No entanto, para alguns historiadores essa alcunha é referente apenas a esses personagens do passado que se utilizaram do apoio popular para engendrar e instaurar regimes autoritários. Os ataques não se limitam apenas a opositores políticos. A mídia também sofre constantes ataques, pois, segundo o governo federal esses superdimensionam os efeitos da pandemia, prestando um desserviço à população e causando histeria. Não bastasse incitar a população contra os governantes, o presidente ainda estimula que aqueles que se sentirem insatisfeitos lutem por seus direitos, ou seja, uma clara menção ao uso da violência em suas mais diversas facetas, o que tem contribuído para discussões e ameaças por parte de pessoas que se recusam a seguir as regras sanitárias que foram alçadas à condição de lei em algumas capitais.
A conduta do presidente em rivalizar com governos estaduais estimula cada vez mais a divisão da população, fazendo com que seja difícil uma ação conjunta em prol do bem comum. Os professores Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, na obra “Como as democracias morrem”, apresentam algumas características que nos ajudam a reconhecer líderes autoritários. Dentre elas ressaltamos o ataque a rivais partidários, definindo-os como criminosos, o que desqualificaria as ações políticas; encorajamento à violência contra aqueles que não compartilham de suas ideais, e, por fim, propensão a restringir liberdades, nesse caso a de expressão por parte da mídia. É possível notar não só o viés autoritário do governo como também sua propensão a dicotomizar e rivalizar, dividindo o cenário político e social entre “nós” e “eles”. Um claro exemplo dessa afirmação se deu quando o governador de São Paulo, João Doria, anunciou que o Instituto Butantã esperava apenas a liberação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para distribuir a Coronavac. Ao ser questionado sobre essa questão, o presidente afirmava que ninguém tomaria a “vacina do Dória”, dando mostras de que a polarização estava em curso.
Essa maneira de lidar com os adversários, polarizando o cenário político e social entre “nós” e “eles” é também explorada pelo professor Jason Stanley e vista como um comportamento fascista já que tende a colocar o adversário como um inimigo que precisa ser combatido. Outra característica que o autor ressalta em governos autoritários é a valorização do trabalho como uma forma manter o bem estar social, sendo essa a principal reclamação por parte da população e dos grandes empresários. Com isso, esses grupos tendem a se contrapor as medidas restritivas propostas pelos governos estaduais e impõem dificuldades para aderirem às regras sanitárias.
Em síntese, podemos perceber a discrepância em que se encontra o Brasil: de um lado o governo federal e seus apoiadores que, dotados de uma postura negacionista, se recusam a obedecer as normas sanitárias e as medidas de isolamento atacando seja por meio de palavras ou ações àqueles que seguem as orientações, e, de outro, pessoas que embora não gostem ou concordem com as medidas mais restritivas se esforçam para seguir as orientações e anseiam cotidianamente para que o processo de vacinação caminhe a passos largos. Nesse contexto, as redes sociais viraram palco de intensos debates onde pessoas de diferentes idades e formações exprimem suas opiniões acerca da realidade em que se encontram. Todavia, para que esse isolamento seja realizado de maneira digna é preciso que programas de assistência, como o auxílio emergencial, seja colocado em vigência imediatamente, e que haja uma maior adesão às medidas de distanciamento e ao uso de máscara, e, principalmente solidariedade e empatia de uns com os outros, caso contrário as consequências poderão ser ainda mais trágicas.