Por Jean Pierre
Quando o Estado declara guerra, a guerra não pode ser mais controlada, ela é necessária como dissemos no texto anterior. A guerra põe o Estado em exceção, com um excesso de poder e violência que não é admitido comumente em relação a si, mas se admite devido à guerra. Se há uma violência do Estado, porém, é a da própria sociedade que requer do Estado uma violência assim como requer dele uma declaração de guerra contra seus inimigos. A questão é: por que a sociedade anseia tanto pela violência e pelo excesso de violência levando o Estado à guerra em vez da paz?
Guerra e paz é o título de uma das obras de Tolstoi. “Guerra é paz.”, disse Orwell em sua obra 1984. No primeiro caso, há uma diferença entre ou da guerra e paz, para o segundo, não, há uma identidade, e se pode dizer que é esta identidade de guerra e paz para além da diferença delas que prevalece historicamente na sociedade e no Estado. Como disse Rousseau, o homem é bom, mas a sociedade o corrompe, e Hobbes concordaria consigo dizendo que a sociedade é uma guerra de todos contra todos se referindo ao individualismo da natureza humana em suas paixões as quais devem ser combatidas pela razão, ou ainda, pelo Estado para que haja paz na sociedade, entre os homens. O problema é que Estado é possível trazer verdadeiramente a paz para a sociedade.
O que se coloca aqui como problema a ser pensado é que, no fim, para ambos, a paz é o princípio da guerra, que não há guerra que não seja motivada pela paz, que não haveria guerra se o fim, então, não fosse a paz, e isto é um problema político ou da política do Estado. Clausewitz, em sua obra Da guerra, resumiu isso ao seu modo ao dizer que a guerra é a política feita por outros meios, por política entendendo-se senão a paz obtida, neste sentido, com a guerra, por meio da força das armas. Assim, quando há uma declaração de guerra do Estado, não é porque se objetiva a guerra, pois ela já está acontecendo na sociedade. O objetivo de uma declaração de guerra e da guerra propriamente dita é a paz, acabar com a guerra com a própria guerra como pensou Hobbes a partir de um Estado absolutista nomeado por Leviatã, monstro mítico bíblico ao qual todos deviam temer e deixar em paz para não ser destruídos por ele ou pelo Estado.
Este modo de pensar não é apenas teórico, filosófico e literário. É muito comum, ainda mais hoje em dia que políticos brasileiros querem cada vez mais armar os cidadãos para uma guerra, que militares ocupam lugares estratégicos no Governo Federal como numa guerra, que Policiais Militares vivem em guerra contra a população pobre e matam com o beneplácito do Estado e da Justiça para garantir a lei e a ordem social, isto é, a paz. O custo da vida de crianças e da população é o custo da guerra que existe nela atualmente em busca da sobrevivência,que é o que acontece em tempos de guerra, refém do Estado militarizado e da sociedade militarizada em facções criminosas em busca de paz ao seu modo.
A corrupção da sociedade pela guerra de todos contra é o momento em que todos lutam pela sobrevivência sem o auxílio do Estado, quando não há Estado, algo considerado mal pelos filósofos e cientistas sociais modernos, mas não pelos economistas liberais que sempre defenderam uma participação mínima do Estado na economia do livre mercado que é uma economia de guerra tendo em vista acompetitividade. Para os economistas liberais como Adam Smith, guerra é paz, pois, no fim, há um equilíbrio comercial entre os preços e quanto mais guerra melhor para o mercado em termos econômicos. A busca da paz econômica nos preços através da estatização ou tabelamento de preços, mesmo que seja para prover a população de benefícios mínimos, é um grande problema para os economistas em defesa do individualismo e do mérito na guerra, quando não se luta pelo Estado, mas por si mesmo, para se manter vivo.
Qualquer tentativa do Estado em limitar a guerra é um problema, seja de modo político, seja de modo econômico, pois se vive em guerra na sociedade ainda que humanamente se diga não à ela querendo seu fim, com uma precificação econômica ou pacificação política. Como analisa Pierre Clastres em sua obra A sociedade contra o Estado, há uma oposição da sociedade ao Estado que não é a de uma sociedade selvagem como analisa, mas da sociedade propriamente dita em relação a qualquer estabilização das relações pessoais em constante mudança, alteração e movimento na sociedade que não aceitam o domínio e nem o controle do Estado a tornar a sociedade sedentária. Como diz ele, reafirmando o que disse Hobbes, mas de um ponto de vista contrário à toda a teoria da guerra como teoria do Estado, a guerra se opõe ao Estado, não há Estado na guerra ou numa sociedade que vive em guerra e para a guerra como a sociedade guerreira tribal ou antiga, ou ainda, podemos dizer, não existe Estado numa sociedade militarizada como se quer atualmente. O Estado é o inimigo da sociedade, neste caso, e ainda mais quando se torna bélico como o Estado absolutista pensado por Hobbes, fascista como o italiano e alemão no século XIX, militar nas ditaduras da América Latina ou neofascista como no mundo e no Brasil atual.
Todavia, o Estado não é o inimigo. É a própria sociedade guerreira que faz do Estado um Estado de guerra, um Estado de exceção, da paz uma guerra, que não consegue viver em paz ou, pelo menos, alguns que vivem nela e querem criar conflito e precisam se defender com armas. O Estado e a paz somente podem existir verdadeiramente sem a guerra, sem o anseio de fazer política pela força e por armas. Guerra e paz são diferentes, não existem uma dependendo da outra, e o que as torna diferentes é o Estado que não existe na guerra, somente na paz, porém, como Estado democrático. Do contrário, é Estado apenas no nome, mais se assemelhando ao Big Brother orwelliano.

Jean Pierre
Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, professor efetivo da Rede Estadual de Ensino do Ceará e pesquisador do Grupo de Pesquisa Conflitualidade e Violência – COVIO/UECE. Escreve mensalmente no Blog Escrivaninha. Instagram: jeanpierrfpe