As diferentes justificativas para a guerra

Dentro de suas reflexões sobre a relação entre segurança pública e guerra, o filósofo Jean Pierre enumera os diversos motivos alegados para que o conflito seja instaurado. Justificativas não faltam. No entanto, nem sempre o que está explícito no discurso oficial corresponde às causas reais pelas quais os sujeitos matam e morrem

Por Jean Pierre

Segundo a mitologia, há pelo menos três justificativas para a Guerra de Troia. A primeira justificativa é divina. Impedida de ir ao casamento de Peleu e Tétis no Olimpo, a deusa Discórdia enviou uma maçã com a inscrição “Para a mais bela” promovendo uma discórdia entre as deusas Hera, Atena e Afrodite para saber quem era “a mais bela” e assim criou o primeiro concurso de beleza da história: o Beleza Divina. Para não atrair a ira das deusas em disputa, Zeus incumbiu a tarefa a Páris, um pastor que era o filho abandonado e desconhecido de Príamo, rei de Troia, abandonado justamente porque foi lhe dito que traria a destruição ao reino.
A participação de Páris no concurso Beleza Divina é a segunda justificativa para a Guerra
de Troia, pois Afrodite lhe ofereceu a mais bela das mulheres na época caso ele a escolhesse. Essa mulher, no caso, era Helena, esposa de Menelau, rei de Esparta. Quando Páris foi à Esparta para uma negociação como filho reconhecido por Príamo, viu Helena, se apaixonaram e ela fugiu com ele para Troia. A justificativa para a guerra foi a traição de Páris ao fazer isto com um rei grego que levou à união dos outros reis para restituírem a honra da Grécia e não apenas do marido traído.
A terceira justificativa é a importância econômica de Troia entre a Europa e a Ásia como é até hoje esta região situada atualmente na Turquia. Segundo a história, a justificativa para a Primeira Guerra Mundial, de 1914 a 1918 foi o assassinato do arquiduque Francisco Fernando da Áustria, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, na Bósnia então pertencente ao reino da Sérvia que opôs, de um lado, Alemanha e Áustria-Hungria, e a Tríplice Entente formada por Reino Unido, França e Rússia para defender a Sérvia, à qual se uniu à Itália. As questões econômicas relacionadas ao imperialismo na época são outra justificativa para a
guerra que não acabou propriamente em 1918, podemos dizer, pois entre ela e a Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945, há senão um armistício tendo em vista a oposição novamente entre Reino Unido, França e URSS, com a ajuda dos Estados Unidos contra a Alemanha, Itália e Japão.
As justificativas, neste caso, são principalmente a ruína econômica da Alemanha com o acordo ao final da Primeira Guerra e a sua desmoralização que produziu um ressentimento nacional com a perda da guerra e, consequentemente, um desejo de vingança utilizado por Hitler para unir a nação alemã politicamente, restabelecer sua economia e militarizá-la para a guerra contra os antigos vencedores, com uma justificativa adicional: o antissemitismo ou ódio aos judeus responsabilizados pela dívida econômica alemã.
Além destas duas grandes guerras no século XX, outras guerras foram: a Guerra do Vietnã,
de 1955 a 1975, cuja justificativa principal foi uma “Guerra Fria” entre Estados Unidos e URSS e a disputa entre seus sistemas econômicos políticos, o capitalismo e socialismo comunista respectivamente; a Guerra do Golfo, de 1990 a 1991, com a invasão do Kuwait pelo Iraque devido a produção de petróleo contra a coalizão formada pelos Estados Unidos e outros países para defender o Kuwait; e a Guerra do Iraque ou Segunda Guerra do Golfo, de 2003 a 2011, cuja justificativa foi a falsa alegação (fake news) dos Estados Unidos de que o Iraque estava produzindo armas de destruição em massa e o receio de que isso fortalecesse o terrorismo diante da “Guerra ao Terror” promovida pelos Estados Unidos aos financiadores do terrorismo desde o ataque sofrido em 11 de setembro de 2001.
Apesar de importantes, estas não são as únicas guerras conhecidas na história, pois há
também na modernidade as guerras de colonização relacionadas ao imperialismo europeu nas Américas, África, Ásia e Oceania contra povos chamados “primitivos” ou “selvagens” e cujas justificativas principais, além das econômicas de praxe, foram o etnocentrismo e o racismo, este último em particular quanto aos negros africanos. Bem como, em contrapartida a estas, as guerras pela descolonização nos países destes continentes como a da Argélia na África em relação à França em 1962; as lutas da Índia e da África do Sul contra o Reino Unido, no caso da África do Sul tendo como justificativa o apartheid devido o racismo dos brancos britânicos aos negros sul-africanos; bem como a guerra ainda hoje dos indígenas brasileiros contra a colonização de suas terras por agricultores e pecuaristas que querem transformá-las em pasto para gado, agricultura de soja ou querem extrair minérios. E, por fim, há as guerras urbanas entre facções pelo domínio territorial
nas cidades cuja justificativa principal é a comercialização de drogas.
Tudo isto nos leva ao ponto principal deste artigo: não faltam justificativas para a guerra, sejam humanas ou divinas. Apesar de se viver em “paz” por algum momento, há uma guerra por vir latente e invisível para qual as nações renovam o poder bélico de seus Exércitos e os Estados o de suas Polícias Militares na Segurança Pública e até instituem, no Ceará, uma Polícia Penal com feição militar sob a justificativa, quiçá, de evitar uma guerra entre facções em presídios. Neste sentido, mesmo em tempos de paz há a justificativa de uma guerra por vir imprevisível, porém prevista por todos.

Sobre a imagem. A deusa grega armada para a guerra. A história dos vencedores perpetuada, ou melhor, a narrativa de quem permaneceu vivo ecoa sobre os demais.

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