O esforço governamental, durante todo esse tempo, deu-se precisamente em desmontar o Estatuto do Desarmamento da forma como pode, atendendo a uma reivindicação da indústria de armamentos. Em nível nacional, os CACs passaram a ter 42,5% do total de armas particulares no país. Em 2018, esse percentual era de 27%.
Por Ricardo Moura
Dados obtidos pelos institutos Sou da Paz e Igarapé, a partir da Lei de Acesso à Informação (LAI), revelam que, entre 2018 e 2022, a posse de armas de fogo nas mãos de caçadores, atiradores desportivos e colecionadores (CACs) aumentou 187% nos estados do Ceará e no Piauí.
O registro dos armamentos é feito pela 10ª Região Militar, que abrange o Ceará e o Piauí. Por essa razão, não é possível obter o resultado individualizado. Em 2018, havia 12.126 armas de fogos em poder dos CACs nesses dois estados. Em 2022, esse número saltou para 34.647.

A quantidade de armas em acervos particulares no país é estimada em cerca de 3 milhões. Em relação aos números nacionais, é possível observar que houve uma mudança no perfil dos registros. De acordo com o Instituto Sou da Paz, em 2018, quase metade do acervo de armas pessoais então existente pertencia a membros de instituições militares (47%). O restante do acervo particular era praticamente dividido entre os registros na Polícia Federal (de armas pertencentes a servidores civis, cidadãos comuns com registro para defesa pessoal e caçadores de subsistência – com 26%) e registros pertencentes a CACs (27%).
Ao longo dos últimos quatro anos, essa proporção se inverteu com o crescimento da categoria de CACs, que passou a ter 42,5% do total de armas particulares no país, em 2022. Ainda segundo o instituto, isso é “um efeito imediato do descontrole promovido pelos mais de 40 atos infralegais – decretos, portarias e instruções normativas – publicados entre 2019 e 2022, quase todos regredindo em controles até então vigentes”. Por causa disso, os CACs foram a categoria mais beneficiada por essas mudanças, como a facilitação do porte municiado, o acesso a armas mais potentes e em grande quantidade.
Impactos do incremento do número de armas na população
Natália Pollachi, gerente de projetos do Instituto Sou da Paz, aponta possíveis cenários diante dessa quantidade de armas de fogo em posse de CACs: “O primeiro é a alta quantidade de pessoas armadas e isso incentiva a reação a crimes, como temos visto ao longo dos últimos quatro anos. É muito raro que essa reação seja bem sucedida. A maioria dos policiais morre na folga quando tenta reagir a um crime. Temos visto também muitos casos em que as casas são alvo de roubos, de furtos ou em que a pessoa justamente no momento tenta reagir, não consegue, e acaba perdendo a sua arma.
E acrescenta: “Então existem esses desvios não intencionais e, por fim, temos os desvios intencionais. A gente também tem visto em todos os estados do país uma série de casos de pessoas que emprestam, vendem seu nome como laranjas para fornecer armas ao crime organizado. A quantidade de armas por pessoa e o tipo de armas autorizado ao longo dos últimos quatro anos é um fator de muita preocupação porque essas quantidades são completamente descabidas. Por fim, há ainda a possibilidade de aumento de mortes por suicídios e de acidente tanto com os próprios proprietários quanto com crianças e adolescentes e outras pessoas que venham acessar essas armas dentro de casa”.
Privatização da segurança pelo Governo Federal
Como escrevi anteriormente, “nos últimos quatro anos, o Governo Federal promoveu um verdadeiro desinvestimento na área da segurança, que cada vez mais perde sua conotação de ‘pública’ para se tornar terceirizada (…) O esforço governamental, durante todo esse tempo, deu-se precisamente em desmontar o Estatuto do Desarmamento da forma como pode, atendendo a uma reivindicação da indústria de armamentos não só nacional, mas também internacional, diga-se de passagem.
A licença para aquisição de armas de fogo bate recordes ano após ano. O controle estatal sobre a circulação dos armamentos, por sua vez, foi afrouxado por decretos e mais decretos. O mercadão da morte nunca esteve tão aquecido beneficiando até mesmo as organizações criminosas que veem um cenário repleto de facilidades para obter os armamentos desejados”.
(Com informações da assessoria de comunicação do Instituto Sou da Paz)
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