As visitas íntimas foram suspensas no ano de 2018 e desde então famílias exigem o retorno. Débora (nome fictício), esposa de um interno, afirma que a suspensão das visitas afeta diretamente o relacionamento da família e acrescenta que algumas mudanças no horário da visita e na alimentação dos detentos deveriam ser realizadas. Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária informou que essa prática está prevista como regalia não sendo obrigatória na Lei de Execução Penal.
Por Luiza Vieira, especial para o blog
Em dezembro de 2021, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), em conjunto com o Ministério de Justiça e Segurança Pública (MJSP), estabeleceu novas normas relacionadas às visitas íntimas nos sistemas prisionais. O texto contido no Diário Oficial da União (DOU) explica que a visita conjugal fica restrita à comprovação de casamento ou união estável entre as partes, ou por meio de declaração firmada pelo casal. No entanto, um ano após a publicação, o retorno das visitas continua sendo exigido pelos internos e por suas parceiras.
De acordo com Aline Miranda, defensora pública e professora universitária, a suspensão dessas visitas afeta diretamente a estrutura familiar: “Os danos são inicialmente de ordem emocional e psicológica, muitas vezes interferindo na manutenção dos laços familiares, implicando em adoecimento emocional. Isso pode dificultar o processo de ressocialização, haja vista que a família é o primeiro núcleo social no qual somos inseridos”, afirma.
A defensora explicou que o motivo de resistência para regulamentação das visitas íntimas no Sistema Prisional cearense se dá em virtude de um caso de estupro no dia de visitação nos presídios. “Esse acontecimento em específico “não é em razão de casos pontuais e se não se deve retirar o direito de todos os presos, e sim, o Estado ser capaz de garantir esse direito como regra”, explica.
O caso citado aconteceu no ano de 2018, no Centro de Execução Penal e Integração Social Vasco Damasceno Weyne (Cepis), em que uma criança de 11 anos foi estuprada por um preso durante o horário de visitas. Ela estava com a mãe e visitava o pai, que está recolhido na unidade prisional. Durante a visita, porém, um detento levou a menina para dentro de um compartimento do presídio e a estuprou. Após ser encontrada por agentes penitenciários, a vítima passou por exames médicos e periciais que comprovaram o abuso.
Comunicação dentro do sistema prisional
Em cartas enviadas às famílias, os detentos relatam a mudança no cenário prisional após a posse do secretário de Administração Penitenciária Mário Albuquerque. Os textos expõem os maus-tratos sofridos pelos internos durante os últimos quatro anos e reforçam a necessidade do retorno das visitas íntimas. “Sabemos que o secretário Mauro Albuquerque sempre frisa a ressocialização, porém, como nós internos podemos nos regenerar se sofremos vários tipos de abusos?”, questionam.
A comunicação interna nas prisões é realizada por meio de bilhetes, intitulados pelos detentos como “catatau”. De acordo com Izabel Accioly, mestra em antropologia social pela UFSCar, é proibida a entrada de papéis e canetas dentro dos presídios do Estado. No entanto, os detentos utilizam o “catatau” como alternativa de comunicação entre eles e o corpo de trabalhadores da instituição.
A antropóloga realizou uma pesquisa sobre a escrita de pessoas encarceradas na CPPL 3, em Itaitinga, e a partir disso, foi observado que os internos utilizavam tampa de marmita, papel higiênico e embalagem de medicamentos como papel. “Os bilhetes que circulavam nas prisões incluíam pedidos como compra de comida, atendimento médico, compra de remédios e ligações. E, além do catatau, existem outros tipos de escrita, como por exemplo os fanzines. Esse tipo de escrita iniciou nas prisões em 2002, é uma espécie de revista artesanal”, pontuou.
Débora (nome fictício), esposa de um interno, afirma que a suspensão das visitas afeta diretamente o relacionamento da família e acrescenta que algumas mudanças no horário da visita e na alimentação dos detentos deveriam ser realizadas. “Queremos visita íntima porque é um direito dos presos, e nós, da família, desejamos o aumento dos horários de visita. Além disso, é necessário que permitam o ingresso de comida para os internos, pois durante a visita só é permitido levar quatro sanduíches”, relatou.
Outro lado
Em nota, a Secretaria da Administração Penitenciária informou que as chamadas “visitas íntimas” estão previstas como regalias não sendo obrigatórias na Lei de Execução Penal. A Secretaria de Administração Penitenciária (SAP) também alega que as novas normas da resolução do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária estabelecem a obrigatoriedade de espaços apropriados para manter a privacidade e a preservação da intimidade do detento e de quem o visita. As normas servem para os presídios que desejam abrir essa concessão.
De acordo com a assessoria da SAP, no atual momento, as unidades priorizam seus esforços e recursos para ampliar as estruturas físicas de salas de aula e galpões para cursos de capacitação e atividades de trabalho, com o objetivo de promover a profissionalização e plena ressocialização dos detentos.
Sobre a imagem. Nas fotos, dois exemplos de “catataus” usados pelos detentos como uma forma de comunicação.