Por Ricardo Moura
Há cinco anos, o historiador e cineasta Luís Carlos Saldanha Ribeiro desenvolveu o hábito de andar pelo Centro de Fortaleza com um olhar mais apurado, buscando ver personagens, lugares e situações que passariam batido numa caminhada menos reflexiva e atenta. Segundo ele, não se tratavam apenas de caminhadas, mas de trabalhos orientados a partir daquele espaço como aulas de campo e trabalhos em audiovisual em que o Centro aparece como protagonista. Durante essas andanças, o termo flâneur surgiu a partir de leitura de autores como Charles Baudelaire, João do Rio e Walter Benjamin.

À medida em que percorria a cidade, Luís Carlos pensava sobre o passado, sobre como facilmente descartamos o que é antigo pra dar lugar ao que é ‘novo’.” Cadê aquilo que não está mais aqui? – perguntava. Era a sobre a memória da cidade que me perguntava. E foi no Centro que Fortaleza mais se revelava para mim”, explica. Foi desse passeio, no sentido de apreender e representar o panorama urbano, que a ideia de criar um perfil no Instagram tomou forma http://www.instagram.com/centreiro. O nome, explica o historiador, surgiu por acaso. “Certa vez, vi a expressão ‘cinemeiro’, que se refere ao indivíduo que é um frequentador assíduo de cinema. Como era uma pessoa que frequentava bastante o Centro, sempre para realizar atividades diversas –pagamentos, compras, passeio e afins – me autodefini com este termo, centreiro. Fiz uma busca na internet sobre o termo “centreiro” e ele apareceu num verso de um poeta Edson Paulucci (“se fosse um ser de centro, seria centreiro”) e num nome de loja que vende acessórios para veículos. O termo veio bem antes da criação do perfil no Instagram”, comenta. Aproveitando a semana de aniversário de Fortaleza, fizemos algumas perguntas ao Centreiro relativas à violência urbana e à segurança pública no Centro de Fortaleza.
Uma queixa recorrente é a de que o Centro é um local inseguro. O que é preciso fazer para que se possa caminhar em segurança pelas ruas do Centro da Cidade?
Essa pergunta ela pode ser estendida também pra Fortaleza, né? Como é que eu posso caminhar com segurança pelas ruas de Fortaleza? Quem tá em áreas privadas, tá seguro, mas e quem tá fora? Essa minha segurança, de alguma forma, tem a ver com a minha relação com o bairro. Desde pequeno frequento. Então, parece que é como se fosse um lugar que me é familiar. Não posso afirmar que eu estou andando no Centro como se tivesse andando no meu bairro, o Conjunto Esperança. Mas é andar com cautela: ficar atento, observar, andar e olhar para os lados, prever, verificar quem tá vindo em sua direção. Então, é esse instinto que os seres urbanos têm no dia a dia. Tem de andar com cautela e ter conhecimento sobre áreas que são rotuladas como as mais perigosas. Existe uma movimentação muito grande ali no meio do centro, no miolo do centro mesmo. Gosto de chamar de miolo do centro ali onde fica o quadrado formado pelo Oceano Atlântico (no Marina Park) até a avenida Duque de Caixas, e entre as avenidas do Imperador e Dom Manoel. Então, aquele quadrilátero é o mais movimentado. Supostamente a gente tem uma movimentação de pessoas nas ruas. O comércio intenso acaba te dando essa segurança. Já nas ruas ligadas às bordas, pelos lados do Cemitério João Batista, em direção ao Jacarecanga, ali tem sempre aquela imagem de que é uma área de mais perigos, uma área que tem assalto, aquela coisa toda. Eu já frequento aquele espaço de forma segura, quando eu vou pela manhã. Prefiro percorrer essa área mais cedo, antes do meio-dia. À tarde já não é muito confiável, então, não vejo ali só como um local de cautela, mas também a partir de uma questão também de segurança. Mas a gente pode também ampliar essa questão de segurança, ou de insegurança, também para as outras áreas. É o centro como espaço. Um bairro histórico. A gente sabe que sofre abandono, com seus lotes vazios, casas fechadas e prédios abandonados. No momento, aquele espaço não se torne tão seguro, mas talvez a minha insegurança se dê pela minha familiaridade ou não com aquele lugar.
Certamente você transita pelo Centro desde novo. O que mudou na sua percepção como caminhante de lá para cá?
Eu sou do tempo em que as pessoas diziam que iam “ao Centro” e “à rua”. “Vamos”, meu pai dizia, “vamos pra rua”. Então, já sabia que a gente tinha que pegar um ônibus pra ir pra um local bem distante, que no caso seria o Centro. ou então, ele dizia que ia pra cidade. Aí já sabia que ele ia pagar as contas, receber dinheiro. A minha percepção do centro começa aí. No local distante, onde tem coisas muito grande. Os prédios, o número muito grande de pessoas e pra mim, pessoalmente falando, é o local onde tinha cinemas. Eu sou testemunha do tempo que os cinemas de rua existiam com grande peso ali no Centro de Fortaleza: o Diogo, o Fortaleza, o Jangada, que era pra filmes voltados a maiores de dezoito anos. O que a gente vai percebendo, logicamente que não naquela época, quando eu era criança, mas com a história que a gente vai estudando, é que o Centro, a partir do seu abandono, abandona-se o poder político. Ainda bem que a Prefeitura atualmente se encontra lá, a sede, mas a Câmara dos Vereadores há tempos está enrolando para não querer ir pro Lorde Hotel, na Praça José de Alencar. A Assembleia Legislativa e o Governo do Estado também se localizavam lá, então esse poder público foi abandonando aquele espaço. Paulatinamente, o poder público também foi abandonando aquele espaço. Há imóveis que estão se transformando em estacionamento, ou seja, descaracterizando todo o lugar. Há uma questão da violência também. Como professor vejo alunos falando em sala de aula que o centro é violento. Quando eu sugiro fazer uma aula de campo no centro é esse o comentário do aluno. A gente lamenta porque tira a oportunidade desse aluno encontrar o Centro como O início da história de Fortaleza. Eu gosto de dizer que Fortaleza é a filha do centro, assim como toda grande metrópole é filha do seu centro históricos. Dentro dessa linha de abandono a gente percebe também a forte presença de pessoas em situação de rua, principalmente nesses últimos anos pra cá. E não deixa de refletir o abandono do poder público em relação às pessoas. Há esse processo de crise econômica que a gente tá vivenciando nesses últimos anos. A gente vai ver que o comércio ambulante cresceu muito. Isso reflete muito na própria questão de você transitar o centro. O espaço de passagem, as galerias, como a Liberato Barroso e a Guilherme Rocha, as calçadas, por mais que tenha havido uma reordenação do poder público.

Que tecnologias de segurança consegue perceber em prédios e vias? Como isso vem mudando?
Essa pergunta é mais difícil de responder, tomando por base essa realidade do Centro. O Centro é um esvaziamento muito grande. Há muitos domicílios, na maioria deles de casa, apesar de que os dois maiores edifícios de Fortaleza se encontram no Centro. Então tem esse contraponto: desse Centro que é abandonado, mas que tem lá dois empreendimentos imobiliários enormes. A gente vê que há segurança particular, que há câmeras. As câmeras do circuito interno, não só das casas, mas também dos pontos comerciais. A gente percebe que existe sim, mas não de forma intensa como a gente percebe percorrendo as ruas do Dionísio Torres ou da Aldeota.
Como homem negro, acredito que o olhar sobre sua caminhada pelo Centro difere muito da minha, que sou branco. Sente o preconceito, o olhar enviesado?
Eu nunca parei pra pensar nisso. Não tenho medo de percorrer esse espaço para fazer os registros fotográficos. A estranheza das pessoas ocorre quando eu me posiciono, paro em determinado lugar e tento fazer uma fotografia de um prédio, de algo que que está acontecendo na via pública, então eu percebo, ainda tem esse olhar enviesado. As pessoas ficam incomodadas com essa outra pessoa que está te fotografando, né? Eu nunca me coloquei, né, nessa realidade no sentido de ser negro. Até porque o centro ainda tem um tanto de lado oeste. Que é o que eu tenho interesse de conhecer, é onde tem um povão. Então, assim, nesse espaço eu nunca me senti incomodado. Agora, já pro lado leste, que é o lado da avenida Dom Manoel, pegando a Rodrigues Júnior, ruas dona Leopoldina e J. da Penha, pelos lados do Colégio Militar, onde tem muitas casas bonitas, a pessoa me olha e olha incomodado. São ruas em que o fluxo de pessoas é menor, então você vê a pessoa ali parada na esquina. Fotografando, olhando, meio que abestalhado, para uma casa, para um imóvel. Realmente isso chama atenção. E possivelmente deve incomodar as pessoas, mas como eu sou meio cara de pau mesmo eu faço meu registro, olho e sigo meu rumo.