Números da violência letal no Ceará: o copo meio cheio versus o copo meio vazio

Por Ricardo Moura

Este é o primeiro texto da série “Escrivaninha Inteligência” em que discutiremos periodicamente como os números da segurança pública são produzidos, analisados e compartilhados. Trata-se de um exercício de olhar para a pilha de dados estatísticos acerca da criminalidade e da violência de uma forma inovadora e crítica.

Os números não costumam mentir, mas a leitura dos dados estatísticos pode ser profundamente modificada conforme o ângulo do observador. Os números de março da violência letal no Ceará são uma boa mostra disso. A Polícia Civil publicou uma reportagem em seu site na qual comemora os indicadores, apontando que o mês de março se encerrou com o menor número de crimes violentos letais intencionais (CVLIs) desde dezembro de 2019: 249 versus 245.

Na comparação com março de 2021, por sua vez, a redução no número de assassinatos foi de 30,6%. De acordo com a matéria, os dados compilados pela Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (Supesp) “são vistos pela Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) como resultado do esforço conjunto para chegar a índices cada vez mais satisfatórios em todo o Estado”. O bom resultado, portanto, se deveria aos “investimentos feitos pelo Governo do Estado na segurança pública e o fortalecimento dos trabalhos operacionais, da inteligência e das investigações feitas pelas polícias cearenses”.

Quando se trata de séries estatísticas, contudo, é preciso adotar uma visão mais panorâmica. A variação de um ano para outro pode não revelar toda a história. Por isso, uma série de três anos permite que o fenômeno seja observado de uma melhor perspectiva a partir do desenho de uma curva que pode vir a ser ascendente ou descendente. No Ceará, em particular, os dados sobre homicídios podem ser comparados a uma montanha-russa com quedas bruscas e subidas vertiginosas em um curtíssimo intervalo de tempo.

Fonte: SSPDS/CE

Quando isolamos apenas as estatísticas do mês de março dos últimos três anos, é possível identificar que a melhora nos índices observada em 2021 ainda está bem distante dos baixíssimos números obtidos em 2019. São 249 assassinatos contra apenas 189. Vale lembrar que março de 2020 constitui um ponto fora da curva, haja vista que foi o mês em que teve início a estratégia de isolamento social visando à prevenção da pandemia do Coronavírus. Conforme afirmou um oficial da Polícia Militar ao blog, a corporação levou um certo tempo para se adequar às novas exigências de policiamento ostensivo.

Quando levamos em consideração os primeiros trimestres dos anos de 2019 a 2021, podemos perceber que também houve uma melhora na comparação com o ano anterior, mas os números ainda estão em um patamar acima das estatísticas de 2019. Isso se deve fortemente ao motim da Polícia Militar ocorrido em fevereiro do ano passado, que resultou no mês de fevereiro mais violento da série histórica e cujas repercussões puderam ser observadas no mês posterior.

Fonte: SSPDS/CE

Desconsiderar esses fatores é contar uma história pela metade. Se os investimentos chegaram e são tão efetivos, por que os números da violência não regrediram a patamares inferiores aos de 2019? É mais sensato incluir outros componentes nessa equação, dando a devida relevância a um tema bastante complexo.

Como se vê, o copo d’água está pela metade, mas não é tão fácil dizer se ele está quase cheio ou quase vazio. O estabelecimento da “verdade dos fatos” resulta na capacidade de elaboração de uma narrativa por quem produz os dados. Quanto mais elementos e ferramentas de análise dispusermos mais essa narrativa poderá ser confrontada e depurada. Quem ganha com isso é a sociedade.

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