Policiais penais e familiares de presos cobram saída de secretário da Administração Penitenciária. Parentes dos detentos afirmam, contudo, que, embora tenha sido realizada simultaneamente, a manifestação não sinaliza uma união entre ambos os grupos, uma vez que, segundo eles, “não dá pra ficar ao lado de quem agrediu familiar”
Por Luiza Vieira
“Fora Mauro”. Essa pequena frase estampava camisetas e cartazes elaborados pelo Sindicato dos Policiais Penais e Servidores do Sistema Penitenciário do Estado do Ceará (Sindppen) e por familiares de internos do Complexo Penitenciário de Itaitinga, na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF), reivindicando a saída do secretário de Administração Penitenciária (SAP), Mauro Albuquerque. O ato foi realizado na manhã da última quarta-feira, dia 20, em frente ao prédio da Assembleia Legislativa do Ceará, no bairro Dionísio Torres, em Fortaleza.
Ainda que o ato tenha sido motivado por razões distintas, ambas as categorias protestavam com um objetivo em comum: a saída de Mauro da Secretaria de Administração Penitenciária. De acordo com policiais penais presentes na ocasião, a manifestação foi motivada após funcionários do sistema penal serem vítimas de “práticas abusivas e assédio moral institucional” por parte do secretário.
O lado de dentro sob a perspectiva dos agentes
Ao Blog, a presidente do Sindppen, Joélia Silveira, explicou que a instituição havia denunciado o gestor ao Ministério Público do Estado do Ceará (MPCE), bem como ao Ministério Público do Trabalho (MPT), e ao próprio Governo do Estado. Todavia, os órgãos competentes não se posicionaram acerca do tema e, por essa razão, os membros do sindicato decidiram ir às ruas para protestar contra a gestão.
“Até o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, fez um parecer, viu a situação dos policiais penais, porque em 2021 nós tivemos sete suicídios, e buscamos ajuda do CNJ. O Conselho veio e fez uma vistoria nos presídios, viu as irregularidades, recomendou. A Alece fez um documento sobre o sistema prisional, falou sobre o adoecimento desses policiais penais, de como estavam sendo tratados e nada aconteceu”, disse a presidente.
“A gente tá vendo que, aqui, não é só uma questão de direitos trabalhistas não, e o humano? Nós estamos atrás de Direitos Humanos, porque as nossas famílias sofrem também quando você está com síndrome do pânico. Nós já trabalhamos em um ambiente estressante, num ambiente que é, além de perigoso, estressante”, acrescentou.
A declaração de Jocélia faz menção ao número de agentes penitenciários que cometeram suicídio em 2023. Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2023, no ano passado 172 policiais foram assassinados e 82 se suicidaram no Brasil. A própria publicação, no entanto, reclama da falta do repasse de dados detalhados pelos órgãos de segurança pública. “A falta de clareza sobre os dados de mortes de policiais em decorrência de lesão autoprovocada ou, autoextermínio/suicídio, afeta não apenas a categoria dos policiais, mas, os rumos da Segurança Pública”, alerta a 17ª edição da publicação.
Nesse mesmo viés, no ato da manhã desta quarta-feira, a presidente do Sindicato informou que o ato visa, principalmente, alertar o governador do Estado, Elmano de Freitas (PT), que, mesmo com as denúncias contra Mauro Albuquerque, optou por mantê-lo à frente da SAP. “Nós estamos buscando agora a compreensão do governador do Estado que tenha piedade dos policiais penais. Eles precisam desses policiais saudáveis mentalmente para trabalhar a ressocialização dos presos. Como a gente vai fazer isso se nós estamos tendo os nossos direitos desrespeitados?”, questionou.
Joélia informou que Mauro Albuquerque elaborou um processo administrativo contra ela, sob o argumento de que os “servidores públicos não estão amparados pela Constituição Federal no art. 8°”, que consta que os funcionários têm o direito de realizar manifestações pacíficas (Leia na íntegra).
O lado de dentro sob a perspectiva das famílias
Diferentemente das queixas prestadas pelos agentes penais, a sociedade civil, mais precisamente os familiares dos detentos, alegam que a manifestação da categoria foi motivada pelas “condições desumanas” às quais os internos estão submetidos atualmente.
Os parentes afirmam que, embora tenha sido realizada simultaneamente, a manifestação não sinaliza uma união entre ambos os grupos, uma vez que, segundo eles, “não dá pra ficar ao lado de quem agrediu familiar”.
“Nós estamos juntos com os agentes? Não. Mulher de preso não se junta com agente, porque são eles (agentes) que torturam os detentos lá dentro. Se eles não estão mais aguentando o sistema prisional, imagine os presos”, pontuou uma familiar que prefere não ser identificada.
Dentre as demandas exigidas pelos familiares está a melhoria na qualidade da alimentação dos internos que, segundo a fonte, é oferecida em estado de degeneração, bem como o aumento no tempo de visita aos internos. “Nós, familiares, sofremos as opressões lá dentro aos sábados e domingos. Qualquer coisa é motivo para cortar a visita, passar três, ou seis meses sem ver o nosso preso”, relata.
“As crianças devem entrar na visita sem fralda descartável, às vezes sem roupa, porque, às vezes, uma roupa não está associada ao padrão da visita. Se você estiver menstruada, entra sem o absorvente. Se você não quiser perder a sua visita, você se submete a isso, porque é de quinze em quinze dias, se perder, só quinze dias depois, então você fica à mercê daquilo ali, do Mauro”, completou.
Quando questionada sobre as visitas íntimas, restritas desde o ano de 2019, a entrevistada informou que o tempo disponibilizado para cada detento junto à esposa se restringe das 8 horas até o meio-dia. Caso a companheira chegue ao instituto penal no horário posterior, não entra. “Tem gente que vem de outro Estado, chega e quando se senta a visita acabou”.
O método adotado pela SAP para manter o controle dessas visitas se dá por meio de senha. A esposa do interno deve acessar o site da instituição, solicitar uma senha e anotá-la. O ingresso na unidade só é feito a partir da exibição do bilhete. “Hoje, quantos familiares estão chorando pela morte de um agente penitenciário aí? Mas quantas famílias também choraram pelos seus filhos que tiraram a própria vida na prisão? Por agentes que mataram eles lá, mas é passado a borracha?”, questionou.
Os parentes ouvidos pela reportagem alegam que o atual sistema penitenciário do Ceará utiliza a “maquiagem do Mauro”, que consiste em “mascarar os acontecimentos na unidade sob o argumento de que os detentos estão sendo educados como um processo de ressocialização”, contudo, a iniciativa não passa de uma “farsa para encobrir os feitos de Mauro”.
“Lá eles botam a gente pra fazer um curso de ‘gesseiro’, mas quando você chega lá é um curso de pedreiro. A gente não vê nem o gesso”, relatou um recém egresso.
As fontes consultadas informaram ainda que: “O Mauro vai matar os agentes e, junto com os agentes, vai matar os presos, mas primeiro vão matar os presos, porque o agente ainda tem um mínimo de moral”.
Onda de fugas
Nos bastidores, os participantes do ato especularam que as fugas recentes nos sistemas penitenciários do Ceará se devem a uma “greve branca” dos agentes penais, tendo em vista que a categoria tem se mostrado resistente ao realizar manifestações exigindo a saída do gestor da SAP.
No último sábado, 16, sete detentos fugiram da Unidade Prisional Francisco Hélio Viana de Araújo, em Pacatuba, Região Metropolitana de Fortaleza. A SAP informou que apenas um dos foragidos foi recapturado pelas equipes.
No domingo, 17, sete internos utilizaram lençóis para fugir da Penitenciária de Pacatuba (RMF). Em menos de 24 horas depois, na segunda-feira, 18, outros nove presos deixaram, ilegalmente, a Unidade Prisional de Ensino, Capacitação e Trabalho, também na região da Pacatuba.
Neste último caso, a Secretaria da Administração Penitenciária e Ressocialização (SAP), informou que os presos fugiram enquanto realizavam ações de trabalho nas externalidades do instituto. Na manhã desta terça-feira, 19, um dos internos foi capturado.
