A eleição do fascismo como um desejo pela guerra

A guerra como solução final nunca é a solução final e, sim, primeira. Se dizemos que é a solução final é porque só no final seu desejo se revela, no caso, um desejo fascista, pois a guerra é o desejo do fascismo em defesa da família, da pátria e de deus acima de tudo, o desejo do cidadão de bem, que quer o bem para todos fazendo o mal, destruindo todos aqueles que não defendem explicitamente a família, a pátria e deus acima de tudo, todos aqueles que não repetem o discurso fielmente. Todo fascista é um fiel religioso ainda que nem todo fiel religioso seja fascista, nem todos que defendam a família, a pátria e deus acima de tudo. O desejo fascista, do fascismo, não quer dizer que o desejo seja fascista. Deseja-se o fascismo, mas ele é, sobretudo, uma escolha consciente, um voto, uma declaração de voto no fascismo e aquilo que é a sua essência, a guerra. O fascismo é a eleição da guerra em defesa da família, da pátria e de deus acima de tudo.

Por Jean Pierre

A principal pergunta em relação ao surgimento do fascismo na Itália que se desenvolveu, principalmente, na Alemanha com o nazismo, e hoje se defende com o bolsonarismo no Brasil, é: por que as pessoas desejam o fascismo? A partir dela, tem-se a falsa impressão de que não se pode desejar o fascismo, que desejar o fascismo é mal, que desejar o mal não é possível. Há milênios, porém, a história tem demonstrado o contrário disso, e quando Reich, Deleuze e Guattari, dizem que o fascismo foi desejado, percebe-se o quanto esta pergunta é mal colocada. O problema não é o desejo do fascismo, é a eleição do fascismo como desejo, como aquilo que se deseja, como aquilo que falta não ao desejo, ou ao inconsciente, mas à consciência, como falta de consciência, aquilo que falta para a consciência ser, sobretudo, consciente, superar-se a si mesmo, um superego.

O fascismo é o desejo de um ego por um superego, podemos dizer, em termos psicanalíticos, não um desejo inconsciente, que não se saiba o que é, nem de onde vem, tão pouco para onde vai. Sempre se sabe em que vai dar o desejo do fascismo, ele mesmo determina de modo explícito: à morte! Isto é, à guerra! Se o fascismo é um desejo, ele é, sobretudo, a escolha de algo que represente o desejo, neste caso, a morte, o prazer com a morte, sua e do outro, ou de deixar morrer e que matem, algo que não é contrário ao desejo, pois também se pode desejar morrer e matar, deixar morrer e que matem, mesmo sem ser fascista. A diferença é que o desejo ou prazer de morrer e matar, deixar morrer e que matem no fascismo não é involuntário, motivado por algo que seja exterior à consciência, algo que não se saiba de onde vem, uma invasão bárbara. O desejo fascista é voluntário. Existe uma vontade no desejo de morrer e matar, em deixar morrer e que matem para defender a família, a pátria e deus acima de tudo, desejo repetido nas palavras família, pátria e deus como um mantra de modo consciente diversas vezes por aqueles que pregam o fascismo, pois não se pode deixar esquecer isso, não se pode fazer com o que desejo fascista seja esquecido.

Não cabe ao desejo escolher nada. Ele é simplesmente desejo. Por isso não lhe falta nada, tudo é apenas acrescentado a ele como um isso que eu desejo. Tanto é que o desejo é tão reacionário quanto revolucionário, como dizem Deleuze e Guattari, ou pode vir a ser assim. A questão, a mais importante questão, é a escolha do que se deseja, ou ainda, do que se deseja produzir com o desejo, prazer ou morte, ou ainda, pior, prazer de morte e, consequentemente, morte do prazer.

A questão não é por que se deseja morrer e matar ou se deseja o fascismo, e nem quem deseja isso, mas quando. A guerra é senão este momento, quando morrer e matar é o desejo comum de milhares e milhões de pessoas que querem assistir a e à guerra, contribuir com ela ativa ou passivamente, votar e voltar toda sua atenção à ela, vê-la de perto sentindo o calor da batalha ou de longe sentido o calor que vem dela como de um sol da meia-noite. Quando políticos brasileiros e pessoas comuns se voluntariaram para combater em defesa da Ucrânia ao lado dos fascistas de lá contra os russos, foi por um desejo fascista pela guerra sob o lema em defesa da família, pátria e deus acima de tudo repetido em todo o mundo. No caso, por perceberem que é na guerra que podem saciar o seu desejo de morrer e matar, principalmente matar.

É o mesmo desejo de guerra que há em PMs de invadirem periferias e o mesmo desejo de prefeitos, governadores, presidente e população que apoia religiosamente que eles façam isso para defenderem a sua família, sua pátria e seu deus. É o desejo de sangue jorrando nas veias ou para fora delas, em corpos alvejados por balas, de preferência na cabeça, desejava um ex-governador do Rio de Janeiro, no caso, o corpo de qualquer um que passe na frente de um PM que tem, para o governo atual do Rio de Janeiro e para o presidente do Brasil, a “legítima defesa” de matar. É o desejo do civil em sacar uma arma para qualquer um que, para ele, é um inimigo de sua família, da pátria e de deus.

Nada mais comum, portanto, do que o desejo fascista, mas é preciso uma guerra e a retórica da guerra para que ele se realize. Neste ponto, a história demonstra claramente o quanto fascismo e socialismo, quiçá o comunismo, são diferentes em sua origem, quando Mussolini, fazendo parte do socialismo na Itália em defesa da União Soviética, como um trabalhador consciente, representante do Partido Comunista, teve que escolher e orientar a escolha dos trabalhadores na Itália quanto a apoiar ou não a entrada da Itália na Primeira Guerra Mundial. Foi ao escolher a guerra, depois de ser contra ela se posicionando como neutro, que Mussolini realizou o desejo fascista, pelo fascismo, e senão que foi eleito fazendo do fascismo não mais um desejo, mas uma forma de governo do povo, um Estado fascista, posteriormente, Hitler fazendo o mesmo na Alemanha com a ajuda de Hitler.

Quando Mussolini publicou no jornal socialista Avanti! um extenso artigo intitulado “Da neutralidade absoluta à neutralidade ativa e operante”, em 1915, o desejo fascista deixou de ser um desejo inconsciente, de “neutralidade absoluta”, um desejo como qualquer outro, para ser consciente de si, uma “neutralidade ativa e operante”, uma anulação de si e do outro, um desejo de morrer e de matar. A guerra se tornou o desejo de Mussolini, mais do que o desejo revolucionário socialista que tinha até então, fazendo deixar o jornal, o socialismo e o comunismo pretendido em defesa agora do fascismo. Ao escolher a guerra, o trabalhador sindicalista socialista comunista Mussolini se tornou o primeiro fascista da história, aquele que cunhou propriamente o termo fascismo, que escreveu o fascismo na história ao criar o Partido Revolucionário Fascista.

É a eleição da guerra que leva ao fascismo, quando o desejo de morrer e matar, deixar morrer e que matem, é maior do que o desejo de viver, fazer viver, deixar viver e fazer com que vivam. A eleição da guerra é a eleição do próprio fascismo quando passa de um desejo inconsciente podendo ser substituído por qualquer outro desejo para ser um desejo conscientemente fascista, um desejo pelo qual se toma partido, que se defende como um partido, que se vota nele como num partido, mas que não é o desejo democrático de um partido, posto que se diz que este partido é o país, a pátria, a nação e tudo aquilo que diz respeito a isto.

Se o desejo é fascista é, por fim, porque o fascismo é uma escolha para o desejo, para o que se deseja, de modo consciente e não simplesmente inconsciente, no caso, a consciência do desejo de morrer, matar, deixar morrer e que matem pela família, pela pátria e por deus acima de tudo. A guerra é a realização do desejo fascista. É a eleição dela que elege o fascismo e que o mantém no poder. A retórica da guerra é a defesa da guerra em defesa da família, da pátria de deus acima de tudo, isto é, a defesa do fascismo ao qual devemos senão resistir desejar, pois nada podemos em relação ao desejo, principalmente, de morte, senão resistir a ele, fazendo a travessia do desejo de morrer e matar para o desejo de viver e amar de novo, produzindo no braço e abraço o viver, como canta Milton Nascimento:

Sonho feito de brisa

Vento, vem terminar

Vou fechar o meu pranto

Vou querer me matar

Vou seguindo pela vida

Me esquecendo de você

Eu não quero mais a morte

Tenho muito o que viver

Vou querer amar de novo

E se não der, não vou sofrer

Já não sonho, hoje faço

Com meu braço o meu viver

Sobre a imagem. Mussolini e sua massa de apoiadores fascistas que, em uma nova roupagem, comanda a Itália mais uma vez.

Jean Pierre

Mestre em Filosofia pela Universidade Estadual do Ceará – UECE, professor efetivo da Rede Estadual de Ensino do Ceará e pesquisador do Grupo de Pesquisa Conflitualidade e Violência – COVIO/UECE.

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