O desafio de reconstruir o País está posto e inescapável. Cabe a nós atuarmos de cabeça erguida e coluna ereta. Erguer mais uma vez a rocha morro acima com o peso da responsabilidade de sermos os artífices de uma sociedade melhor.
Por Ricardo Moura
É impossível compreender o Brasil sem levar em consideração os males de nossa colonização: a herança escravocrata, a concentração de renda e o autoritarismo que perpassa nossas relações sociais. A superação desses três elementos constituintes dessa brasilidade tão mesquinha é um projeto ainda incompleto. Ao longo da história, raros foram os momentos em que ousamos enfrentar essas chagas sociais como se deveria.
A ideia de um processo civilizatório, inclusivo e diverso durou somente o tempo de uma primavera. Tratou-se de um bug no sistema logo corrigido pela programação do mais do mesmo da lógica do senhorio. O que mais se viu foram tentativas de acomodamento de interesses conflitantes e reações exasperadas de grupos privilegiados aos avanços sociais mais tímidos.
As eleições deste ano colocaram frente a frente esses dois projetos antagônicos. Lula e Bolsonaro encarnam duas concepções distintas de se fazer política e de futuro. Suas biografias condensam práticas ancestrais de resistência e de dominação. É possível ver traços delas nos discursos e nos símbolos mobilizados na campanha.
O homem branco e cristão como o padrão-ouro do que seria a humanidade é um conceito em crise e fadado à extinção. Formas de existência plurais começam a ganhar vez e voz no campo da micropolítica. As lideranças que mais rápido perceberem isso sairão na frente nos futuros pleitos.
Por óbvio, a Velha Política não entregará os pontos facilmente. A resposta veio por meio do jorro de dinheiro público que irrigou campanhas de Norte a Sul e da normalização da violência política como estratégia de intimidação. As raposas estão acuadas diante da novidade que brota das juventudes negras e periféricas, das mulheres, dos povos originários e da população LGBT. Até mesmo uma nova centro-direita emergirá desse processo.
Retomar o que se perdeu de civilidade é a nossa tarefa histórica neste momento. Teremos muito trabalho pela frente. Assim como no mito de Sísifo, a pedra que empurramos montanha acima após a redemocratização despencou morro abaixo. É nossa missão erguê-la novamente. Albert Camus, ao tratar dessa alegoria, ressalta que nem sempre vemos os resultados das lutas que travamos, mas ainda devemos cumprir esse destino. Estar consciente dessa limitação histórica não é razão para deixar de fazer o que é o certo. “É preciso imaginar Sísifo feliz”, afirma o filósofo. A rocha é pesada e nossos ombros doem diante do fardo que será a reconstrução deste país. A partir do dia 30, seremos todos Sísifos. E, ainda assim, seremos felizes.