Entre a balança e a espada: a esquerda na encruzilhada da segurança pública

Quem sofre com os desmandos do crime organizado e a onipresença da violência urbana exige urgência nas ações. É preciso que as respostas dos órgãos de segurança sejam rápidas e efetivas, o que nem sempre é a realidade. Há, neste momento, um cabo de guerra em curso no campo progressista em torno do modelo de política a ser adotado

Por Ricardo Moura

Os movimentos sociais e os políticos de esquerda possuem uma concepção de segurança pública frontalmente divergente de quem está à direita no espectro ideológico. A defesa intransigente dos direitos humanos, por exemplo, é vista pelos seus detratores como uma “defesa” aos criminosos. A noção de que é preciso agir sobre as causas que levam as pessoas ao crime e não apenas na repressão também é um baluarte de quem pensa o assunto de uma forma mais progressista e menos punitivista.

Embora os diagnósticos sobre as causas da criminalidade sejam mais elaborados e complexos, quem sofre com os desmandos do crime organizado e a onipresença da violência urbana exige urgência nas ações. É preciso que as respostas dos órgãos de segurança sejam rápidas e efetivas, o que nem sempre é a realidade. Há, neste momento, um cabo de guerra em curso no campo progressista em torno do modelo de política a ser adotado. A validade dos argumentos, de um lado e de outro, passa muito pelos números das estatísticas criminais.

Nesse afã de mostrar resultados, o populismo penal floresce. Ideias que, até então, só se viam em discursos de parlamentares da direita passam a ser apoiadas por membros da própria direção nacional do PT. Alberto Cantalice, diretor da fundação Perseu Abramo, órgão responsável pela produção teórica que dá suporte às atividades do partido, defendeu a criação da pena de prisão perpétua para crimes de pistolagem, tráfico armado e milícia. Quando veríamos um dirigente petista assumir essa causa? Em suas redes sociais, a pauta da segurança pública está sempre presente.

Segue um receituário: “Controlar a circulação de armas é fundamental. Bem como aumentar a penalidade por seu uso na prática delitiva. Há crimes que podem ser punidos com medidas diversas da prisão. Outros não (…) O policiamento ostensivo pode e deve agir como prevenção ao crime. Intervir em conflitos. Agir para a pacificação. O uso de câmeras nos uniformes é necessário e urgente. O policial-um agente público, tem que ter sua atividade controlada”.

Flávio Dino agrega sua experiência como governador do Maranhão à pasta de Segurança Pública e Justiça. Ele sabe como é viver sob o fogo cruzado de manter os índices de criminalidade baixos e, ao mesmo tempo, atender as demandas das polícias e de sua base de apoio política, que quase sempre são divergentes. A situação de descontrole da letalidade policial na Bahia, que enfrenta um pico de crescimento da criminalidade, tem sido alvo de críticas.

O ministro se queixou de “injustos ataques políticos” que teriam vindo de intelectuais da esquerda. Na oportunidade, ele defendeu o trabalho das polícias: “Outra tese estranha é a de culpar as polícias em face do avanço das organizações criminosas nas últimas décadas. É injusto e não é construtivo. Como fazer Segurança Pública sem as polícias? Ou contra as polícias? No atual momento, com o rumo certo que temos adotado, o desafio é de IMPLEMENTAÇÃO, que demanda pés no chão, serenidade e tempo”.

Em outra postagem, Flávio Dino criticou a ênfase dada pelos especialistas na área da inteligência em detrimento da força. “Inteligência em segurança pública não é uma espécie de ‘pedra filosofal’, que exclui a necessidade de uso comedido e proporcional da força. Nem a força é uma “pedra filosofal” que implique dar tiros a esmo, sem inteligência”, disse. E finalizou com uma citação do jurista alemão Rudolf von Ihering: “A espada sem a balança é a força brutal; a balança sem a espada é a impotência do Direito”.

Equilibrar a balança e a espada tem sido um desafio imenso. A tentativa de chacina envolvendo quatro médicos no Rio de Janeiro é um exemplo bastante ilustrativo da complexidade do tema. O crime organizado mata e, ao mesmo tempo, pune, passando por cima dos ditames do estado democrático de direito. As facções assolam toda a Região Nordeste em maior ou menor grau, reorganizando o funcionamento do tráfico de entorpecentes e recrutando uma juventude que vê poucas perspectivas no mercado formal de trabalho.

Atuar de forma repressiva na velocidade e na intensidade necessária é uma arte. A guerra às drogas tem matado a população negra e pobre, que está na linha de frente dos grupos armados. Milhares de moradores das periferias deixam de ter acesso à saúde e à educação durante as operações policiais ou por mando das organizações criminosas. Criticar essa condição é dar voz a cidadãos e cidadãs que veem seus direitos serem tolhidos diariamente. São essas pessoas que pagam o preço do descalabro na segurança. E são, justamente elas, as menos ouvidas quando da elaboração das políticas públicas.

Sobre a imagem: Foto de Ekaterina Bolovtsova

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