De Belém ao Curió: chacinas semelhantes, destinos diversos

A primeira vitória das mães do Curió é um alento e um sinal. Nem tudo está perdido, afinal. Ainda há esperança e a luta não é em vão.

Por Ricardo Moura

Entre os dias 4 e 5 de novembro de 2014, 11 jovens foram assassinados em diversos bairros de Belém por policiais militares. A causa alegada para a matança foi a morte do cabo Antônio Marcos da Silva Figueiredo, mais conhecido como Pety, da Ronda Ostensiva Tática Metropolitana da Polícia Militar (Rotam). Por uma coincidência do destino, estive semana passada no bairro em que ocorreram as execuções e pude conhecer de perto um projeto de arte e cultura que surgiu após a chacina, o Cineclube TF

Um ano depois, na periferia de Fortaleza, onze pessoas foram executadas entre os dias 11 e 12 de novembro, em diversos bairros da Grande Messejana, no que ficou conhecido como a Chacina do Curió. O motivo para tantas mortes, novamente, deveria-se a uma retaliação pela morte do soldado PM Valtermberg Chaves Serpa, que morreu após reagir a um roubo contra a esposa dele. 

Antes de prosseguir, apenas um parêntese: é preciso que desnaturalizemos a afirmação de que casos como esse se originam de alguma espécie de vingança. As vítimas executadas de forma covarde em ambos os episódios nada tinham a ver com os assassinatos dos policiais, tendo sido mortas a esmo. Em nada essa circunstância remete a uma condição de vingança. Trata-se de um puro e simples desejo de exterminar a vida alheia sem pudores e sem limites. É uma brutalidade que une e indistingue agentes de segurança das pessoas às quais eles deveriam nos proteger.

Um segundo parêntese: as informações circulam de forma muito rápida entre os policiais. Certamente era de conhecimento de todos o que ocorreu em Belém no ano anterior. Mais que a vontade de emular o acontecido, havia a ideia de que uma ação desse porte também poderia ser cometida impunemente. A irrupção de duas chacinas como essas em um momento de ebulição política também é um fator que não pode ser desconsiderado. Havia já ali um movimento subterrâneo de apoio ao sujeito que viria ser eleito presidente em 2018.

Lá como cá, as mães se mobilizaram em busca de justiça e reparação, mas a Chacina de Belém permanece envolta em impunidade. Há investigações sobre vítimas inconclusas, apenas dois policiais militares foram levados a júri popular e três denúncias foram arquivadas por falta de materialidade técnica. Uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi criada para investigar a atuação de milícias e grupos de extermínio no Estado. Para quem acompanhou todo o processo de investigação sobre a Chacina do Curió, o maior temor era que o destino fosse o mesmo. 

No entanto, a sentença proferida neste domingo representa um alento para quem ainda acredita que o sistema de justiça criminal possa cumprir suas determinações a contento. Segue a descrição das penas:

Wellington Veras Chaves: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: ifechado. Prisão decretada sem poder recorrer da decisão em liberdade. Perda do cargo de policial militar

Ideraldo Amâncio: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: fechado. Prisão decretada sem poder recorrer da decisão em liberdade. Perda do cargo de policial militar

Marcus Vinícius Sousa da Costa: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: fechado. Prisão decretada sem poder recorrer da decisão em liberdade. Perda do cargo de policial militar

Antônio José de Abreu Vidal Filho: 275 anos e 11 meses de prisão por 11 homicídios; três tentativas de homicídios e quatro crimes de tortura. Regime: fechado. Prisão decretada sem poder recorrer da decisão em liberdade. Perda do cargo de policial militar

Antônio Abreu está nos Estados Unidos, tendo participado remotamente do júri. O nome dele deverá ser incluído na lista da Interpol.

O julgamento dos demais acusados será retomado no segundo semestre. Não necessariamente as penas serão as mesmas. Há gradações relevantes nas participações de cada acusado. No entanto, a dimensão das penas nessa primeira etapa ilustra bem que o júri ficou bastante convencido da relação dos então acusados com o crime. Cabe aqui ressaltar o trabalho de excelência do Ministério Público na condução da peça acusatória diante de uma ação criminosa complexa, cometida em pontos diferentes da cidade e com um número elevado de atores envolvidos.

Uma primeira vitória das mães do Curió não implica mudanças no ocorrido em Belém e em tantos locais em que agentes públicos borraram sua condição profissional ao agir de um modo tão desonroso e incompatível com sua função. Não deixa, contudo, de ser um alento e um sinal. Nem tudo está perdido, afinal. Ainda há esperança e a luta não é em vão.

Que todas essas mães possam ter, no dia de hoje, um sentimento de justiça, algo que por tanto tempo lhes foi negado.   

Foto: Rannjon Mikael / TJ-CE.

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