Das inseguranças de um sociólogo “Aerolander”

Sociólogo aborda os desafios de crescer em um bairro periférico que tem lidar com o estigma da violência, resultado de uma configuração socioeconômica que vê na produção de desigualdades seu motor,

Por Francisco Secundo da Silva Neto

Redijo esse textinho como um Sociólogo Aerolander – e o que mais me qualifica aqui nessas linhas é de ser um morador da Aerolândia, periferia de Fortaleza, no Ceará. Bairro às margens da BR 116, pertencente a Regional VI da PMF… Bem, posso ser chamado de um jeca urbanoide periférico, numa ótica mais cosmopolita atual, mas pertencido a um lugar no sentido socioantropológico do termo, como um local de produção de sentidos e de identidade sociocultural.

Afinal, sou um Aerolander de berço, pois nesse meu lugar, nasci, cresci e vivo fazem 45 anos. Não alcei voos, talvez por incompetência, inaptidão, preguiça, desmérito, falta de oportunidade… enfim, mas, que se considere que gosto do meu lugar e aqui fui ficando… mas ficando com mais medo, também, ao longo dos anos. Nos anos 1990 e começo da primeira década deste século XXI, para mim, morar em um território do “vixe” – aquela fala-expressão que os cearenses costumam dar para os residentes em locais “perigosos” – não era problema.

Nessa época referida, já tinha se começado os males que o tráfico de drogas… opa…sou Aerolander, mas AbestadO não… retificando: nessa época os vários e complexos problemas advindos do aprofundamento das desigualdades sociais e econômicas produzidas pelo capitalismo liberaloide das últimas décadas já se apresentavam nas periferias e cidades de todo o país como a criminalidade urbana, responsável por tornar um bairro no tipo ideal “vixe”.

Mas, hoje, no corrente ano de 2024, está mesmo muito mais “vixe”, muito mais perigoso, para quem vive e convive com assaltos constantes nas ruas, nos transportes públicos e com a tensão do convívio próximo aos coletivos criminais, as ditas facções. É fato. Meu lugar aqui figura hoje como um dos que mais gera boletins de ocorrência na cidade, segundo dados da secretaria de segurança pública do Estado.

E antes de mais nada digo não, com certeza, não, não faço a associação explicativo-causal rasa da pobreza > criminalidade. A criminalidade não é coisa de pobreza, mas está manifesta na e entre a pobreza em suas próprias formas. Por exemplo: os motivos e as circunstâncias que levam um jovem periférico da Aerolândia a ingressar nesses atuais coletivos criminais são variados, e não apenas a pobreza explica. Ou explica pouco, na verdade. Contudo, uma das outras razões que pode explicar mais é a de que um jovem Aerolander adentra na criminalidade porque tem o acesso facilitado ao poder e à grana de um modo mais presente e forte no seu horizonte de vida.

Explico melhor: quando bem jovem ainda, com 12, 13 anos de idade, brincava nas vadias ruas aerolandienses de bola, pila, peão e arraia, com pouco medo, mas sempre com a galerinha da minha rua e de outras. E um dos meninos que residia nas proximidades do Lagamar, que fica algumas ruas da minha casa, Barney (nome fictício), negro e pobre, dizia certa vez que queria ser traficante, quando arriscávamos a falar sobre o que gostaríamos de fazer quando crescermos. E diante de nosso espanto, Barney justificou argumentando que o traficante era “patrão” e tinha grana e mulheres.

Porém, como um Aerolander estudado na sociologia hoje sei que esse sonho não era a emulação de um comercial de cerveja dos anos 1990, mas uma realidade que ele conviva diariamente de muito perto. Agora, vamO Lá: grana e poder, ao menos isso, deixando as “mulheres” de fora para sairmos do sexismo fulêro, são o que muitos jovens, brancos ou pardos, filhos de um funcionário público remediado ou de um pequeno empresário, desejam ainda hoje.

Poder e grana, em tempo, são ainda o encanto do capital na sua faceta mais hedonista e ostentadora. E o crime, tá ligado?!, ostenta poder e grana, vide os chefões do tráfico que moram em Alphaviles e Meireles – lugares com ótimos IDH e sem tantos registros policiais. De resto, o medo está maior para nós, Aerolanders e jecas urbanóides de todas as periferias de Fortaleza, pois a sensação de insegurança e a real insegurança são diários sim, são fatos registrados, em um número bem maior do que há algumas décadas atrás.

Francisco Secundo da Silva Neto

Bacharel em Ciências Sociais (2006) pela UECE, Mestre (2009) e Doutor (2015) em Sociologia pela UFC. Docente na Unifametro desde 2011. Interessa-se por estudar teoria e metodologia sociológicas e, mais especificamente, pesquisar sobre os temas da cultura e do humor.

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