Caminhada denuncia intolerância religiosa contra a umbanda

Caso mais recente de violência ocorreu no último domingo, dia 12, contra Babalú, uma mãe de santo trans, assassinada a tiros

Por Luiza Vieira

Em comemoração aos 115 anos da Umbanda no Brasil, membros do Instituto Carta Magna de Umbanda do Estado do Ceará promoveram nesta quarta-feira, 15, um ato em alusão à data festiva. Na ocasião, eles também realizaram uma caminhada em combate à intolerância religiosa e da violência física contra os umbandistas. Esta foi a primeira edição do ato, que pretende ser realizado anualmente na data em alusão ao Dia da Umbanda, 15 de novembro. 

Integrantes de diversas casas de Umbanda de Fortaleza e Região Metropolitana (RMF) participaram do movimento, que teve início na Praça dos Leões, às 14h, e se estendeu ao Parque da Criança, sendo finalizado por volta das 19h. 

Na oportunidade, os umbandistas pediram, em uníssono, o respeito aos praticantes dessa religião, uma vez que muitos deles não conseguem exercer o culto por causa do preconceito, conforme explica a produtora cultural, Silvia Torres, uma das idealizadoras do evento. 

Ao Blog, ela comentou sobre o caso de Babalú, uma mãe de santo trans, assassinada a tiros no último domingo, 12, em Caucaia. De acordo com Silvia, Babalú foi alvo de preconceito e intolerância, uma vez que é frequentadora da religião umbandista e também transgênero.

“Nesse caso, em específico, você junta duas coisas, né? Ela era trans e umbandista. Você não consegue exercer minimamente a sua vida, você não consegue viver. A cultura da umbanda e a do LGBT são as minhas bandeiras, então a gente fica acompanhando essas coisas, participando dos grupos, e a gente pensa: ‘Gente, onde é que vamos parar?’”, disse. 

“Esse ato é muito importante tanto para a religião quanto pra gente umbandista, para acabar com esse preconceito, porque existe muito preconceito na nossa religião”, avaliou o pai de Santo Roberto, do Centro de Umbanda Cigano Tubá, sobre a caminhada. 

Paulo Bandu, de 76 anos, é diretor do Instituto Carta Magna e informou que o mesmo evento havia sido realizado há 10 anos. No entanto, com a mudança de governo, não foi possível dar continuidade ao ato. Segundo ele, a ação dessa quarta só pode ser promovida porque o Poder Público apoiou o movimento, fornecendo o espaço, ônibus e água aos participantes. 

“Hoje, a Umbanda Sagrada está completando 115 anos que veio ao Brasil, por isso estamos aqui com muita luta, muito sofrimento e sendo alvo de muita intolerância. Mas hoje é um passo importante porque nós temos uma pessoa que é do terreiro e está dentro da política”, explica. A pessoa em questão é o vereador Ronivaldo Maia (Sem Partido), um dos apoiadores da causa umbandista. 

Bandu explicou ainda a importância da nova geração lutar contra a intolerância e desmistificar o preconceito enraizado contra os umbandistas. 

“Eu me sinto glorificado e agraciado com tanta luta, muita gente já não está mais entre nós e, talvez, amanhã eu não esteja aqui também por causa da minha idade, né? Já estou com 76 anos, e eu vejo a importância dessa juventude aqui, porque é algo que vai se perpetuando pra nova geração”, completou.

Caminhada percorreu ruas do Centro. Foto: Luiza Vieira

Impunidade gera novos casos de violência

Foram registrados entre os anos de 2017 a 2021, cerca de 30 casos de violência religiosa no Estado do Ceará. Os números abrangem inquéritos policiais e boletins de ocorrência, que tinham como ponto central a intolerância religiosa. Desse total, apenas oito inquéritos foram instaurados com base no artigo 208 do Código Penal Brasileiro (CPB), que configura os crimes contra o sentimento religioso e cinco processos foram remetidos à Justiça.

De acordo com o Juremeiro Gabriel Malunguinho, o cenário da violência contra umbandistas se deve a um preconceito enraizado e, uma das formas de quebrar este tabu é viabilizando o acesso da sociedade ao meio para romper o estigma imposto à religião. 

“Esse ato de envolver todo o povo de terreiro do nosso Estado principalmente aqui na nossa capital tem de suma importância combater a intolerância religiosa e o racismo, né ? Como podemos ver o que aconteceu com  a mãe de santo trans lá de Caucaia”, prosseguiu. 

“Por meio desse ato de hoje, a gente consegue levar a todo o povo, não só o povo que aqui está presente, mas sim a todos, e com o apoio da divulgação, que também é muito importante ter a divulgação da mídia, a gente consegue dizer não à intolerância religiosa”.

Segundo ele, a caminhada no Centro de Fortaleza viabiliza “o abraço do povo que não conhece a religião, que não conhece o povo de terreiro”, e que é de suma importância que esse tipo de ação seja realizada em ruas e praças públicas. 

“É importante também estarmos sempre presentes, levantando a bandeira da nossa religião, dizendo não à intolerância religiosa. Vem essa importância para que não aconteça e não venha acontecer esses atos como esse que relatei, esse ato trágico em Caucaia, né? Foi por conta de preconceito mesmo e também porque ela é LGBT”, completou. 

“A perseguição é muito maior, não só porque é de terreiro, mas também por conta que são uma mulher trans, né? Então vem esse fardo maior nas costas porque nossa religião abraça todos. Independente da sua escolha sexual. Independente da sua classe social, financeira, independente disso tudo a nossa religião está para abraçar as pessoas, está aqui para passar o ser humano”, pontuou.

Ele reiterou que a prática de intolerância já é configurada como um crime e ponderou que aquela data (15 de Novembro) não é apenas o aniversário da Umbanda, mas sim um dia de resistência, luta e de existência da religião.

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