Segundo o ministro dos Direitos Humanos, esse é o primeiro passo para construir uma política pública de intervenção permanente no sistema prisional. Outro ponto destacado foi a criação do Sistema Nacional de Proteção às Vítimas de Violência
Por Luiza Vieira
O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, se reuniu com os parlamentares da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) na última sexta-feira, dia 27. A iniciativa surgiu com o intuito de apresentar o relatório dos índices de violência institucional no Ceará, produzido pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania. Na ocasião, o ministro também anunciou a criação de uma portaria conjunta, entre o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania e a pasta de Defesa e Segurança Pública, liderada pelo ministro Flávio Dino, com o objetivo de acolher vítimas de violência policial.
“Já conversei com o ministro Flávio Dino, e nós vamos construir uma portaria conjunta que é o primeiro passo para construir uma política pública de intervenção permanente no campo dos Direitos Humanos no sistema prisional. Outro ponto também foi a criação do Sistema Nacional de Proteção às Vítimas de Violência”, disse.
O encontro atendeu uma demanda dos membros da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania e do Comitê de Prevenção e Combate à Violência. “Este encontro representa uma oportunidade significativa para a promoção e defesa dos direitos humanos no Ceará, permitindo a troca de informações, experiências e estratégias para combater a violência institucional e proteger as vítimas dessa trágica realidade”, destaca o presidente da Comissão de Direitos Humanos, deputado Renato Roseno (PSOL).
Na ocasião também foram discutidas pautas relacionadas ao contexto da “nordestinação” e interiorização dos homicídios de jovens e adolescentes. Em cima disso, as autoridades pensaram em estratégias de implementação de uma agenda nacional de combate à violência contra a juventude.
O encontro contou com a participação de representantes de movimentos sociais, como o grupo Mães da Periferia, Mães do Curió e integrantes do Escritório de Direitos Humanos e Assessoria Jurídica Popular Frei Tito de Alencar.
Sobre o relatório
O relatório apresentado pelo deputado estadual Renato Roseno (Psol) agrupa o número de mortes violentas intencionais no Brasil em 2022. O documento mostra que em 2022 foram registrados 47.508 casos, enquanto em 2021, o número chegou a 48.431.O relatório explica que a maioria das vítimas continua sendo homens (91,4%) e, em incidentes envolvendo a polícia, esse número sobe para 99,2%.
Quanto à etnia, 76,5% eram negros. A maioria das vítimas tinham idade entre 12 e 19 anos,e armas de fogo foram utilizadas em 76,5% dos casos.
Só no Ceará, conforme levantamento realizado até o dia 14 de outubro, foram registrados 2.240 crimes violentos letais intencionais. Entre as vítimas, 273 eram jovens de 10 a 19 anos.
Violência nos sistemas prisionais
O relatório elaborado pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania também reúne os dados de violência dentro das Unidades Prisionais do Estado. Conforme o documento, a Comissão recebeu 148 denúncias relacionadas à temática. “As queixam variam desde tortura até a falta de acesso a serviços básicos. Discrepâncias também foram notadas nos dados de mortalidade nos presídios entre diferentes fontes oficiais”.
O documento exibe também os entraves enfrentados pelos profissionais de Segurança Prisional, nos quais, 900 dos 3.500 funcionários foram afastados por problemas de saúde em 2021 e 2022. “Oito suicídios entre os profissionais foram reportados desde 2021, destacando a severidade das condições enfrentadas pelos trabalhadores. Um deles, antecedido de um homicídio de outro policial, dentro da unidade”.
Como mostrado pelo Blog ao final de setembro deste ano, policiais penais e familiares de presos realizaram uma manifestação pacífica em frente à Assembleia Legislativa do Ceará (Alece) cobrando a saída de Mauro Albuquerque da liderança da Secretaria de Administração Penitenciária do Ceará (SAP).
O documento também sugere as seguintes recomendações:
- Revogação da Lei n° 13.491, de 13 de outubro, que altera o art. 9 do Código Penal Militar;
- Fortalecimento das investigações: modelo correicional autônomo, controle externo de atividade policial, autonomia das perícias e tecnologia de produção de provas;
- Fortalecimento dos Sistemas de Proteção às Pessoas como parte de uma política nacional de atendimento a vítimas de violência;
- Direito à informação, reparação e acesso à justiça dos familiares das vítimas e sobreviventes- Adesão Nacional ao Protocolo de Minnesota;
- Criação do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura;
- Criação do Sistema Nacional de Atenção e Proteção dos Direitos Humanos de Vítimas de Violência Armada.

Resgate da memória e documentário
A reunião do ministro com os grupos foi fechada. No entanto, o blog conversou com uma participantes sobre o que foi discutido naquela oportunidade. “A conversa foi muito importante porque a gente tem que trazer junto com a gente todos os ministérios porque a nossa luta é feita pelos ministérios. Se a gente não tiver o aparato dos ministérios fica difícil a gente conseguir a nossa vitória”, disse.
A fonte informou que a iniciativa apresentada pelo grupo ao ministro Silvio Almeida foi a criação de um documentário das mães de vítimas de violência policial. Ela reforçou a necessidade de honrar a memória de pessoas cuja morte ainda está no anonimato. “As mães precisam contar a história dos filhos delas, porque os filhos delas não podem ficar no anonimato. Têm alguns casos que estão no anonimato, outros não, como é o caso da Ingrid Mayara, do Tico da Maraponga”, explicou.
Ao blog, o deputado Renato Roseno disse que a oportunidade surge para “tentar contribuir com a política nacional de combate à violência, com agenda nacional de prevenção à letalidade de jovens e com a mobilização e redução da letalidade”.
A defensora pública-geral do Estado, Elizabeth Chagas, também esteve presente na ocasião, afirmando que a iniciativa atua no protagonismo dos movimentos sociais. “Movimentos importantes estiveram aqui na Assembleia para que a gente possa pensar em políticas públicas, nessa construção, união de forças para fazer essa transformação social, com relação aos Direitos Humanos e possa levar a sério essa questão”, argumentou.
Institucionalizar os espaços de escuta
Após ouvir os questionamentos dos grupos, o ministro Silvio Almeida pontuou a necessidade da criação de espaços de diálogo entre as autoridades e a sociedade civil, para que sejam institucionalizados e, a partir dessa institucionalização, as medidas de combate e prevenção da violência sejam aplicadas.
“Vejo que a gente precisa estar em momentos como esse para a gente se chocar com coisas que são absurdas, então a gente só pode se chocar com coisas como essa se a gente tem espaços e momentos de discussões como este daqui. Por isso a gente precisa institucionalizar espaços como esse, pra gente poder ter um lugar para se chocar com a violência, porque a violência não é uma coisa chocante no Brasil”.
Ministro Silvio Almeida
O ministro explicou que é dever do Estado Brasileiro “cuidar das guardiãs da memória de pessoas que foram violentadas e assassinadas”.
Experiência exitosa que vem do Ceará
O presidente da Assembleia Legislativa do Ceará, Evandro Leitão, avaliou a visita do ministro como “motivo de muita honra”. “Sabendo de tudo isso que está sendo feito, o Governo Federal, por meio do Ministério de Direitos Humanos, está querendo replicar essa nossa experiência em todo o Brasil. Portanto, para nós, é motivo de muito orgulho, de que mais uma vez, o Estado do Ceará possa estar dando a sua contribuição para o país, assim como já deu sua contribuição replicando políticas públicas na área da Educação”, comentou.
“O trabalho do Comitê de Prevenção e Combate à Violência da Alece representa uma grande contribuição para o tema no Ceará e no Brasil. Por isso, é muito importante que essa atuação possa ser compartilhada durante a visita do ministro dos Direitos Humanos”
Presidente da Alece, Evandro Leitão
Fotos: Gabriela Catunda e Ruy Conde – Ascom/MDHC
