Um passeio na Feira do Mucuripe

Naquela manhã, foi cortando as ruas pensando mais na vida do que nos passos, até que deu com a cara no mar. O sol começava a tingir o céu, chegando junto com a primeira jangada em terra firme, todos os espólios divididos sobre a areia

Por Marcos Levi Nunes

Seu Pedro saía do Serviluz, ainda era noite, o céu começava a clarear e as luzes da rua permaneciam acesas. O primeiro respingo de sol nem tinha chegado nas telhas da casa, mas ele já estava pronto pra sair. Não disse ‘tchau’ pra ninguém, mesmo dona Carmem não tinha dado sinal de vida, dormia na cama do casal como se fosse domingo. Saiu, fechou a porta tão devagar quanto pode, na ânsia de evitar qualquer ruído forte o suficiente para despertar mesmo o filho mais inquieto. 

O rumo certo de toda sexta-feira era o Mucuripe, com vento, pescador e mar. Toda sexta era santa, tinha feito a promessa há muito tempo: se todos os filhos conseguissem ser ‘gente de bem’, nunca mais comeria carne naquele dia da semana. A sexta também virou um dia que só vestia branco. Ele tinha alguma religião? Seu Pedro dizia que não, mas no 15 de agosto ia para a festa de Iemanjá pela manhã e para a caminhada com Maria a tarde, “só pra acompanhar a mulher”. No entanto, quando dona Carmem tava pra ter o primeiro menino, ele jurou aos céus, com tanto medo e amor que nunca esqueceu: 

– Senhor, se eu conseguir criar direitinho esse menino, se o senhor me ajudar, nunca mais eu como carne na sexta! Além disso, a partir de hoje, toda sexta eu só uso branco, tem nem perigo de errar – sussurrando baixinho: mas me ajude!

Naquela manhã, foi cortando as ruas pensando mais na vida do que nos passos, até que deu com a cara no mar. O sol começava a tingir o céu, chegando junto com a primeira jangada em terra firme, todos os espólios divididos sobre a areia: pargos, cavalas, palombetas, os frutos do mar ainda se debatendo na praia. Seu Pedro conseguiu reparar num pargo bonito, rosado e gordo. “Rapaz, eu quero esse aqui”, apontava, tal qual um jovem no Terminal do Papicu olhando uma coxinha. Carlim, pescador antigo, rapidamente pegou, tirou barbatanas, cabeça, escamas, colocou na sacola e entregou na mão de Seu Pedro, já dizendo o valor.

E lá ia o homem e seu peixe bem embalado. O sol já marcava as “6 horas da manhã” e acompanhava seu Pedro, que naquele momento só conseguia pensar no pargo assado e na farofa com cebola roxa que só Dona Carmem sabia fazer.

Marcos Levi Nunes

Educador social, gestor de projetos e mestre em sociologia.

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