Projeto visa atrair os moradores de rua para o ambiente de acolhimento por meio da música. “Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, mas sim melhorar como ser humano, como pessoa”, afirma um dos cantores do coral
Por Luiza Vieira
Composto por mais de 20 membros, o Coral Encanto da Rua tornou-se uma das principais atividades sociais da Pastoral do Povo da Rua, da Arquidiocese de Fortaleza, no Ceará. O diferencial dessa iniciativa consiste na composição dos membros do coral, cujas vozes masculinas pertencem aos moradores de rua do centro da cidade, enquanto as vozes femininas são de agentes da Pastoral do Povo da Rua. Ambas as categorias são regidas pelo maestro Rogério Jales.
A iniciativa surgiu após uma reunião da Assembleia Geral da Pastoral do Povo da Rua, que é realizada anualmente para definir quais ações seriam realizadas no ano seguinte. “Foi sugerido, na Assembleia, que seria bom que tivesse uma atividade cultural, na Pastoral do Povo da Rua, porque é algo que agrega, aumenta a autoestima, dá visibilidade também, às pessoas descartadas da sociedade. Porque, infelizmente, a gente sabe que é isso. Então decidimos criar um coral”, explica uma das articuladoras do movimento e agente da Pastoral, Rita Silveira.
Conforme pontua o maestro do coral, Rogério Jales, o projeto visa atrair os moradores de rua para o ambiente de acolhimento por meio da música. “O objetivo do coral é trazer as pessoas para este espaço. Primeiramente é isso, tirar as pessoas da rua e trazer para este espaço de acolhimento. E a gente sabe que a música tem essa possibilidade. É como eu sempre digo: são poucas as pessoas que não gostam de música”, explicou.
Ele acrescenta que, nos primeiros dias de ensaio, os moradores de rua foram convidados a participar da ação sem que fosse determinada uma seleção de vozes, visto que, no entendimento do maestro, classificar os timbres de cada integrante é uma maneira sutil de exclusão.
“Nós não fizemos seleção. As pessoas vieram e foram ficando, sempre trabalhamos nesse objetivo de que elas ficassem. Então, nos primeiros ensaios a gente fazia muito canto livre, cantamos de tudo”, seguiu. “A música é uma coisa maravilhosa, mas ela também exclui. Se eu chegar e pedir pra você cantar uma nota e você não cantar, é uma forma de excluir”.
O processo de cantoria livre foi realizado durante um mês. O maestro explicou que, neste ínterim, os integrantes do coral cantaram, por diversas vezes, a mesma música, o que colaborou para, posteriormente, classificar cada voz.
Os ensaios, realizados semanalmente, geraram resultados positivos e, por esse motivo, o Coral Encanto da Rua, notou a necessidade de dar início às apresentações públicas. Sob a regência do Maestro Rogério Jales, o Coral Encanto da Rua já fez apresentações na Igreja Nossa Senhora da Paz, na Capela do Pequeno Grande, na Câmara dos Vereadores, no Teatro Universitário Paschoal Carlos Magno, da UFC, como parte do espetáculo “Sarau Teatro de Expressões”, e no SindJustiça – Sindicato dos Servidores da Justiça. Os ensaios são realizados semanalmente, às terças-feiras a partir das 14h, na sede da Pastoral.

Grupo se apresentou na Câmara Municipal de Fortaleza
Relatos
“A nossa missão como Pastoral é ajudar os moradores a saírem da situação de rua para a superação de rua. É da nossa metodologia lutar pela superação”, afirma Vanda, uma das agentes da Pastoral do Povo da Rua. “Quando a gente criou o coral, nós, agentes da Pastoral, dissemos que iríamos participar para incentivar os moradores, a gente acabou se apaixonando também”, completou.
Conforme explica Miguel, um dos membros do grupo musical, a Pastoral do Povo da Rua é um pilar para que os moradores de rua tenham acesso à higiene e alimentação. No entanto, para além disso, a equipe colabora também na construção da autoestima e integração social.
“É muito importante porque, a gente daqui da rua é uma coisa inédita, participar de um coral. É aquela coisa, a gente está aqui na rua, acorda na rua sem ter um local pra tomar banho de manhã cedo, sem ter um lugar para escovar os dentes, às vezes tem que pegar fila no galpão… Mas o trabalho que a Pastoral faz pela gente é muito bonito e gratificante”, seguiu. “Nosso objetivo não é ganhar dinheiro, mas sim melhorar como ser humano, como pessoa”.
“Às vezes a gente fica frustrado pela vida que a gente leva. Cada um tem os seus problemas, mas o coral é praticamente uma terapia, é o que eu acho. Quem não ajuda o próximo, como vive nesse mundo? Acho gratificante toda terça-feira a gente cantar no coral, chegar lá e ser bem recebido, bem acolhido”, relata Lucas, que também é integrante do grupo musical.
“Eu tinha um receio de cantar por não achar a minha voz bonita, acabei guardando essa ideia. Então, eu tomei uma posição e disse: Eu vou cantar: sabe por quê? Porque quem me deu essa voz aqui foi Deus e tudo o que Deus dá é maravilhoso. Comecei a cantar, mesmo sem voz. Então entrei no coral e agora estou me sentindo muito bem, agradecida. Um dos presentes que Deus me deu no ano de 2023, foi o Coral”, relata Leda, uma das agentes da Pastoral do Povo da Rua.
Uma das idealizadoras do Coral Encanto da Rua, Rita Silveira, elenca que as mudanças no comportamento dos integrantes do coral foram notadas ainda durante os primeiros ensaios.
“Logo depois dos primeiros ensaios, os integrantes do Coral, notadamente os de vozes masculinas, em situação de rua, deixaram visíveis as mudanças no modo de falar e de dar opiniões. Ficaram mais motivados e alegres durante os ensaios e participavam com mais interesse. Já dava para perceber a expressão espontânea e descontraída de cada um. Alguns começaram a falar mais e com desenvoltura; outros deixaram de consumir bebidas alcoólicas. E aqui cabe um registro especial: a pontualidade nos ensaios. Manifestações como “Maestro você fez uma mágica!”, “Estou me sentindo importante”, “A gente cantou bonito!”, “Eu tinha vergonha de cantar, agora não tenho mais” passaram a ser frequentes”, relata.
“Um grupo coeso, unido e em sintonia desenvolve um ótimo trabalho, Assim é um coral. Cada participante tem a sua responsabilidade e precisa desempenhar um papel em favor da coletividade que, ao final, resulta num conjunto harmonioso, musical e humano, no qual as pessoas têm vez e voz. É o que se espera do Coral Encanto da Rua com partilha, comunhão, solidariedade, fraternidade e inclusão, rumo a um futuro melhor, ressignificando vidas”, finalizou a jornalista e agente da Pastoral do Povo da Rua.
Agentes de pastoral e moradores de rua unem esforços em prol de levar música e alegria para a população

A Pastoral do Povo da Rua
Localizada na rua Coronel Ferraz, a Pastoral do Povo da Rua realiza, frequentemente, atendimento às pessoas em situação de vulnerabilidade social. A casa recebe os moradores e disponibiliza insumos para que eles exerçam o hábito da higiene pessoal, fortalecimento da fé cristã e convívio com a sociedade. No entanto, as ações não ocorrem diariamente por questões financeiras, uma vez que a sede é mantida por doações de parceiros.
“A Arquidiocese abriu mão de uma casa para acolher os moradores de rua. Começou a atendê-los semanalmente, mas aí faltava gente, os agentes eram poucos e não tinha quem pudesse vir todos os dias, então convocamos novas assembleias para discutir isso”, explica Leda, uma das agentes da Pastoral.
“No atendimento a gente dava toalha, sabonete, sabão para lavar roupa, toalha. Mas aí a Pastoral não tinha mais o sabão, não tinha mais toalha e a parte deles (dos moradores) era trazer os produtos deles, e a gente acolheria com um banho, com um telefone, para que eles ligassem para a família para resolver as coisas deles, guardar documentos. No que vai dando, a gente vai ajudando com eles, porque tudo isso são despesas muito altas”, completa.
Atualmente, contudo, a sede da Pastoral do Povo da Rua se encontra em reforma. Por este motivo, os encontros estão sendo realizados no Centro de Pastoral da Arquidiocese do Ceará. Os membros da equipe estão promovendo uma rifa para arcar com os custos da construção, que está em andamento desde julho deste ano.
Crédito das imagens: Arquivo pessoal.
