O impacto dos desastres ambientais na segurança pública

Não só a infraestrutura urbana é afetada, mas os próprios mecanismos de controle social que regulam a sociedade. A desordem é a tônica em tais situações, favorecendo o surgimento de comportamentos criminosos e incivilizados

Por Ricardo Moura

A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul une dois desafios de nossos tempos: lidar com a emergência climática provocada pelo aquecimento global e agir em meio a uma massiva campanha de desinformação. Não basta prover abrigo e alimentação para quem perdeu tudo, é preciso ainda estabelecer uma comunicação que se sobreponha aos discursos que negam a capacidade agentiva do Estado. Além disso, os desdobramentos de um acontecimento como esse no cotidiano da população impactam diretamente na segurança pública.

Até o momento, a polícia gaúcha prendeu 130 pessoas por delitos diversos como furtos, saques, posse ilegal de armas e crimes de natureza sexual. Desse total, 48 pessoas foram presas por crimes patrimoniais (furtos e saques) contra os desalojados e 49 foram detidos nos abrigos. O balanço das prisões foi divulgado pelo secretário da segurança Sandro Caron, que esteve à frente da mesma pasta no governo Camilo Santana.

Para a Escola de Chicago, nome dado a um conjunto de cientistas sociais pioneiros nos estudos da relação entre crime e cidade, as condições espaciais e geográficas incidem sobre a criminalidade. Mudanças bruscas evidenciam as desigualdades e enfraquecem os valores coletivos. O foco das pesquisas era a crescente urbanização dos centros urbanos e suas mazelas. No entanto, conceitos como “desorganização social” também podem ajudar a entender o efeito devastador de tragédias ambientais de grande porte sobre as relações sociais e a convivência na cidade.

Não só a infraestrutura urbana é afetada, mas os próprios mecanismos de controle social que regulam a sociedade. A desordem é a tônica em tais situações, favorecendo o surgimento de comportamentos criminosos e incivilizados. O desenraizamento social de quem tem de se mudar e a falta de capacidade de receber levas de moradores de uma só vez são fatores que desafiam qualquer tipo de planejamento e organização.

Em 2005, o furacão Katrina atingiu a costa sul dos Estados Unidos. Com ventos de mais de 280 km/h, a tempestade causou cerca de 1,8 mil mortes e obrigou uma população estimada em mais de um milhão de pessoas a saírem de suas casas.
A imigração causada pelo Katrina fez com que as taxas de criminalidade aumentassem nas cidades norte-americanas que acolheram os desabrigados. Em Houston, a população aumentou em 10% após a tragédia, fazendo com que os serviços humanitários e de segurança pública ficassem sobrecarregados.

O crescimento populacional desequilibrado teve como resultado aumentos drásticos em homicídios (27%), agressões agravadas (28%), porte ilegal de armas (32%) e incêndios criminosos (41%). Não é possível dimensionar, contudo, o grau de participação dos desalojados nesses crimes. O risco de estigmatização das vítimas, nesses casos, é bastante elevado.

Em Nova Orleans, uma das principais cidades atingidas pelo furacão, os crimes atingiram um pico dois anos depois e se mantiveram após a tragédia, mesmo com a diminuição no número de habitantes. Casos de estupros e roubos apresentaram aumento. Em paralelo, o efetivo policial caiu de 1.200, antes do Katrina, para 900 após a tempestade. Essa redução é apontada como um fator de estímulo para ocorrências criminais.

O município de Mariana (MG) foi sede, em 2015, da maior tragédia ambiental da história do Brasil. A barragem do Fundão, usada para armazenar os rejeitos de minério de ferro da empresa Samarco, rompeu-se liberando 39 milhões de metros cúbicos do material em seu entorno. Comunidades inteiras foram destruídas, o rio e o solo foram contaminados e 19 pessoas morreram.

Um estudo comparou os números de ocorrências criminais de Mariana com dois municípios próximos e chegou à conclusão que, dois anos após a tragédia, o rompimento da barragem “desencadeou diversas consequências, como expressiva queda de arrecadação municipal, oscilações no setor imobiliário, aumento expressivo do desemprego, desorganização social e econômica, dentre outros fatores que se projetam negativamente por meio do aumento de alguns dos índices de violência e criminalidade”. O aumento dos índices ficou em torno de 24%. Nenhum dos responsáveis pelo incidente foram punidos. Dos 26 acusados, 15 foram inocentados. O crime prescreve este ano.

Fenômenos naturais extremos serão comuns em um contexto de emergência climática, colocando em xeque a forma como as cidades se organizam. Além de medidas contra catástrofes ambientais, planos de contingência de policiamento e prevenção a crimes precisam ser elaborados. É importante ressaltar que o conceito de segurança é bastante abrangente, começando pela própria segurança alimentar, ou seja, fazer as alimentações diárias, até a segurança física e patrimonial. A imprevisibilidade do clima não pode servir como desculpa para a omissão e o descaso.

Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

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